{"id":439,"date":"2011-02-09T09:41:00","date_gmt":"2011-02-09T11:41:00","guid":{"rendered":"http:\/\/minhasmares.com.br\/?p=439"},"modified":"2011-11-04T08:03:10","modified_gmt":"2011-11-04T10:03:10","slug":"epifanias-cap-24","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/minhasmares.com.br\/epifanias-cap-24\/","title":{"rendered":"Epifanias \u2013 cap. 24"},"content":{"rendered":"

Por Lunna Guedes<\/a><\/strong><\/p>\n

\"epifanias\"<\/a><\/p>\n

“Ela caminhava por entre os olhares atentos daquela gente que embora estivessem acostumados a receber muitos estranhos. Definitivamente, eles n\u00e3o gostavam disso. Mas a falta de op\u00e7\u00e3o os obrigava a aceitar o inaceit\u00e1vel. <\/span>Dentre todos os olhares, um ganhou aten\u00e7\u00e3o de Giulia que se viu ref\u00e9m daqueles olhos amendoados, suave como o orvalho da madrugada e denso como as noites de lua cheia. Ele disfar\u00e7ava, evitava olhar pra ela o tempo todo, mas tinha descoberto sua beleza. Estava encantado. Fascinado. N\u00e3o conseguia evit\u00e1-la, por mais que tentasse, seus olhos a descobriam ali, em meio aquela multid\u00e3o que se esbarrava na pra\u00e7a frente a igreja onde se comemorava o anivers\u00e1rio da santa. O sorriso de menina floresceu naqueles l\u00e1bios que eram constantemente umedecidos por uma vontade antiga rec\u00e9m inventada. Era como se ela pudesse de fato sentir um beijo ardente que causava furor em suas entranhas. Era um simples encontro, mas parecia programado h\u00e1 tempos, como se algum deus brincalh\u00e3o tivesse tramado aquele acontecimento apenas para sua pr\u00f3pria divers\u00e3o\u201d\u2026<\/span><\/p>\n<\/div>\n
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A leitura teria continuado em meio a empolga\u00e7\u00e3o exibida por Alexandra que devorava aquelas p\u00e1ginas uma a uma, numa pressa necess\u00e1ria se n\u00e3o tivesse sido interrompida por Anne que n\u00e3o estava satisfeita com aquela nova situa\u00e7\u00e3o. <\/span><\/p>\n

_ Vamos embora Alexandra. Eu n\u00e3o quero passar a noite aqui\u2026
\n<\/span>_ Agora n\u00e3o d\u00e1 Anne. Eu preciso terminar de ler esse manuscrito. Depois. Est\u00e1 bem?
\n<\/span>_ Voc\u00ea pode ler ele em casa. N\u00e3o precisa ser aqui nesse quarto, nesse apartamento. E voc\u00ea n\u00e3o me disse que a sua amiga tinha voltado\u2026
\n<\/span>_ Agora n\u00e3o Anne. Eu estou na melhor parte. A Giulia acaba de conhecer o grande amor da vida dela.
\n<\/span>_ Quem \u00e9 Giulia?
\n<\/span>_ A personagem da hist\u00f3ria que eu estou lendo. Olha, tudo bem se voc\u00ea quiser ir, mas eu vou ficar. A Rayssa voltou hoje e a gente nem conversou ainda. Eu quero saber absolutamente tudo sobre a viagem dela, mas s\u00f3 depois que eu terminar aqui. Me d\u00e1 licen\u00e7a?
\n<\/span>_ Como \u00e9 que \u00e9?
\n<\/span>_ Sem drama, por favor. Eu s\u00f3 quero terminar de ler essa hist\u00f3ria. Est\u00e1 bem?<\/span><\/p>\n

Anne saiu do quarto, contrariada. Se antes estava zangada, agora estava irritada. Ela achava impressionante como Alexandra ficava diferente quando Rayssa estava por perto. Em seu intimo, ela simplesmente desejava que aquela menina desaparecesse pra sempre da face da terra. Pensamentos incomuns surgiam em sua mente e o sorriso sentia a aus\u00eancia de lucidez em suas veias. Ela imaginava um corpo estendido no ch\u00e3o, coberto de sangue, sem vida. Seria dif\u00edcil para Alexandra, mas seria passageiro. Ela iria superar. Tudo muito simples em sua mente, mas t\u00e3o complicado na vida real. Era imposs\u00edvel matar algu\u00e9m sem ser descoberto e al\u00e9m do mais, embora sua mente tornasse poss\u00edvel, sua pele n\u00e3o parecia capaz de um ato t\u00e3o vil. Mas que havia alguma satisfa\u00e7\u00e3o naquele del\u00edrio noturno, de fato havia.<\/span><\/p>\n

Seus pensamentos foram espantados para longe gra\u00e7as ao som da campainha que revelou vozes animadas: eram os pais de Rayssa com meia d\u00fazia de sacolas e uma anima\u00e7\u00e3o pouco comum. Anne j\u00e1 sabia de antem\u00e3o que n\u00e3o iria gostar daquelas pessoas que pareciam felizes demais para serem de verdade. Ela viu quando o Bruno tirou a filha do ch\u00e3o, abra\u00e7ando-a, beijando-a com uma alegria pouco comum aos olhos dela. O sorriso daquela mulher alta, cheia de curvas perfeitas demais, cabelos longos e uma pele lisa, feito p\u00eassego era um exagero. O abra\u00e7o coletivo era uma desfa\u00e7atez e todos aqueles movimentos exagerados. Aquela euforia t\u00e3o pouco natural. Nem precisavam ser apresentados. Dava para perceber que aquela garota mimada, prepotente e arrogante era filha delas. Mas Anne se fez perceber, ficando ali naquele cen\u00e1rio com os bra\u00e7os cruzados a frente do corpo e seu ar de superioridade tradicional que parecia dizer \u201ceu sou a artista pl\u00e1stica Anne Letrech\u201d.<\/span><\/p>\n

_ Me deixa apresentar voc\u00eas: Anne Letrech, esses s\u00e3o os meus pais Bruno e Mariana Mendelson\u2026<\/span><\/p>\n

Mariana gentilmente corrigiu seu nome para \u201csimplesmente Mari\u201d rapidamente ao estender sua m\u00e3o a fim de cumpriment\u00e1-la, mas mesmo disfar\u00e7ando, ela n\u00e3o conseguiu evitar deixar transparecer a falta de empatia para com aquela mulher que tinha uma express\u00e3o desagrad\u00e1vel. Bruno foi quem quebrou o gelo atraindo todos para a cozinha. Era um momento fam\u00edlia. Uma massa seria preparada e cada qual teria suas fun\u00e7\u00f5es. Lavar e cortar os tomates, cebolas, alho, salsinha. Pegar a panela e colocar a \u00e1gua para ferver.<\/span><\/p>\n

Abrir a garrafa de vinho e servir a todos que estavam presentes. Preparar a mesa e claro, escolher a m\u00fasica perfeita porque nada poderia ser feito sem um som delicioso ecoando pela atmosfera.<\/span><\/p>\n

E ali em seu canto, Anne assistia aqueles movimentos desordenados dos quais se recusava a participar. Tudo aquilo era muito desconfort\u00e1vel. Aquela fam\u00edlia n\u00e3o parecia de verdade. N\u00e3o pareciam reais. Quem conseguia ser t\u00e3o feliz assim? \u2013 indagava-se ela.<\/span><\/p>\n

Alexandra terminou sua leitura minutos antes do jantar estar pronto. Seus olhos estavam nublados, mas o sorriso era de primavera. Ela queria escrever sobre a hist\u00f3ria, mas o cheiro que vinha da cozinha seq\u00fcestrou sua aten\u00e7\u00e3o. E para desencanto total de Anne ela se juntou aqueles carinhos intr\u00e9pidos: abra\u00e7os, beijos, palavras carinhosos, troca de afeto. \u201cquanta falsidade\u201d \u2013 pensava ela que se sentou a mesa e ouviu Bruno propor um brinde.<\/span><\/p>\n

Rayssa exaltou-se. \"\"<\/a>Deu um grito de alegria, bateu palmas e se jogou nos bra\u00e7os da amiga, abra\u00e7ando-a fortemente. Disse \u201cparab\u00e9ns\u201d bem baixinho apenas para que ela pudesse ouvir e ficaram ali aninhadas naquele abra\u00e7o que recebeu outros bra\u00e7os e outras palavras amigas que foram atentamente observadas por Anne que n\u00e3o conseguia compreender como aquelas pessoas conseguiam despertar daquela forma: t\u00e3o alegres e felizes como se n\u00e3o houvesse dores, tristezas ou agonias no mundo.<\/span><\/p>\n

_ Isso sem d\u00favida alguma merece um brinde\u2026
\n<\/span>_ A essa hora da manh\u00e3? \u2013 comentou Anne de forma a se fazer notar, afinal, ningu\u00e9m ali havia reparado na sua presen\u00e7a, nem mesmo Alexandra que havia contado uma novidade para todos, menos para ela. <\/span>Seus pensamentos novamente desenhavam cad\u00e1veres. E novamente ela se ressentia. E novamente ela e Alexandra brigariam e tudo seguiria seu ritmo habitual: flores, cart\u00f5es, presentes\u2026 Desculpas eram renovadas, mas a cada novo dia a aceita\u00e7\u00e3o diminu\u00eda. Mas isso Anne Letrech n\u00e3o percebia\u2026<\/span><\/p>\n

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>>> continua em 14\/02\/2011<\/span><\/div>\n<\/div>\n