\u00c9 tudo t\u00e3o longe nessa cidade (acabo de perceber isso). Perto mesmo \u00e9 o cansa\u00e7o nos olhos alheios. Nos outros carros h\u00e1 crian\u00e7as se debatendo e m\u00e3es sem paci\u00eancia alguma tentando ser mulher, profissional, amante, menina. O que ser\u00e1 que se perde ou se salva disso tudo? Acho que j\u00e1 tenho um tema para a primeira edi\u00e7\u00e3o da revista. Nas entrelinhas: o que se salva disso tudo? Tem resposta? \u00c9 melhor ter porque o dia est\u00e1 come\u00e7ando e eu n\u00e3o estou me movimentando”…<\/em><\/p>\nQuase duas horas mais tarde Alexandra chegava \u00e0 revista que agora j\u00e1 tinha muitos bra\u00e7os e pernas. Primeira reuni\u00e3o. Muitas id\u00e9ias. Tudo t\u00e3o fresco como as manh\u00e3s de inverno onde o sol \u00e9 apenas um convidado que parece estar sempre de sa\u00edda.<\/p>\n
Depois dos caminhos apresentados, os passos come\u00e7am finalmente a existir. Os movimentos se multiplicam. \u00c9 como receber a certeza de um filho a caminho.<\/p>\n
_ Bom dia. Como est\u00e1 \u00e0 casa nova? Pelo \u00e2nimo do pessoal, parece que est\u00e1 tudo muito bem por aqui…
\n_ Foi divertido; mas eu acabo de me lembrar que faltam poucos dias pra sua viagem. D\u00e1 pra parar o tempo? Eu\u00a0 j\u00e1 estou sentindo saudades antecipadas. O que afinal voc\u00ea vai fazer na Fran\u00e7a que n\u00e3o pode fazer aqui?
\n_ Infelizmente pra voc\u00ea eu tenho uma resposta pra essa pergunta.
\n_ Seria espantoso se n\u00e3o tivesse resposta. Com certeza n\u00e3o seria voc\u00ea…
\n_ Eu preciso estar l\u00e1 ou ent\u00e3o n\u00e3o iria. Preciso descer uma ladeira, encontrar um par de olhos com os quais vou esbarrar. Vamos passar um pelo outro e por um breve instante vamos querer olhar para tr\u00e1s. Mas n\u00e3o vamos fazer isso. Vamos apenas sorrir e esperar pelo momento seguinte que vai acontecer como se fosse combinado. Estaremos sentados em diferentes mesas, numa mesma cal\u00e7ada: caf\u00e9 com chocolate sobre a mesa, um livro e aquela m\u00fasica que parece sempre tocar pelas ruas de Paris. Tudo isso num \u00fanico fim de tarde, minutos antes da chuva. Ele n\u00e3o vai se conter e ent\u00e3o vai vir ocupar a cadeira vazia a minha frente que parece estar l\u00e1, caprichosamente, esperando por ele. Far\u00e1 uma pergunta boba, conhecida e vai rir deliciosamente “de onde nos conhecemos?” e a resposta s\u00f3 vir\u00e1 dias depois e ele vai continuar rindo sempre que ouvir a resposta…
\n_ \u00c9 um novo personagem?
\n_ Claro que sim, n\u00e3o \u00e9 o que todos n\u00f3s somos? Personagens?<\/p>\n
Alexandra ficou em sil\u00eancio por alguns segundos. Espiou a vista de sua janela e por fim exibiu aquele sorriso aventureiro, t\u00edpico de quando uma id\u00e9ia saltava de sua mente para o mundo.<\/p>\n
_ Tenho um convite a te fazer?
\n_ Ent\u00e3o fa\u00e7a…
\n_ Eu quero que seja colunista da revista. Mas n\u00e3o quero artigos. Quero uma novela em cap\u00edtulos. O que me diz?
\n_ Quantas palavras cabem dentro de um cap\u00edtulo? – ponderou como se travasse um di\u00e1logo consigo mesma. Esquecendo-se momentaneamente da presen\u00e7a de sua amiga que n\u00e3o parou para pensar, pois sabia que aquela pergunta era para o vento e n\u00e3o para ela. _ Eu aceito. \u2013 respondeu de forma breve e decisiva. O sorriso em seus l\u00e1bios parecia um sol a criar sombras pelo caminho.
\n_ Preciso de uma margem de cinco cap\u00edtulos. Tem como voc\u00ea me apresentar algo j\u00e1 para essa primeira edi\u00e7\u00e3o? Iria ser o m\u00e1ximo…
\n_ Eu vou pensar no seu caso…
\n_ N\u00e3o seja uma menina m\u00e1.
\n_ N\u00e3o serei. Eu prometo… Eu j\u00e1 sei que hist\u00f3ria irei escrever. S\u00f3 preciso pensar num t\u00edtulo ou r\u00f3tulo. Eu prefiro r\u00f3tulo porque lembram garrafas de vinho…<\/p>\n
Rayssa deu meia d\u00fazia de passos pelo recinto e parou diante da janela. O horizonte urbano da paulic\u00e9ia em plena tarde de inverno a deixou sorridente. Era respirou fundo como se ao faz\u00ea-lo, conseguisse sentir o mais delicioso perfuma da esta\u00e7\u00e3o.<\/p>\n
_ J\u00e1 sei…
\n_ J\u00e1 sabe o que?
\n_ O r\u00f3tulo: ser\u00e1 \u201cepifanias\u201d…
\n_ Mas o Caio Fernando Abreu j\u00e1 n\u00e3o escreveu sobre isso?
\n_ N\u00e3o sobre o que eu vou escrever.
\n_ Que droga. Eu sinto que voc\u00ea vai me entregar um m\u00edsero cap\u00edtulo por vez?
\n_ Um n\u00e3o. Dois. E vou deixar o final pronto. Mas s\u00f3 vou te mostrar no \u00faltimo segundo…
\n_ N\u00e3o pode fazer isso.<\/p>\n
E o sorriso de Rayssa se multiplicou naquela sala como resposta a vis\u00edvel desaprova\u00e7\u00e3o de Alexandra que dias depois estava no aeroporto para se despedir de sua fam\u00edlia e ali mesmo, recebeu das m\u00e3os dela um envelope.<\/p>\n
_ O que \u00e9 isso?
\n_ O que voc\u00ea me pediu. Ou ser\u00e1 poss\u00edvel que j\u00e1 tenha se esquecido?
\n_ Os cap\u00edtulos?
\n_ Os cinco primeiros… Eu te envio o resto de Paris.<\/p>\n
De repente, Alexandra se viu em meio a uma comich\u00e3o. Queria largar Rayssa ali e sair em busca de um lugar onde pudesse se ausentar do mundo para se dedicar a leitura daqueles escritos. Mas se conteve. Se jogando nos bra\u00e7os de Rayssa para um abra\u00e7o, n\u00e3o mais de despedida, e sim de agradecimento. Horas mais tarde, depois que o avi\u00e3o ter cruzado os ares rumo ao outro lado do oceano, Alexandra se encontrou com aquelas linhas que se explicava de imediato na primeira p\u00e1gina.<\/p>\n
Pr\u00f3logo.
\n\u201ch\u00e1 um lugar sem poemas, uma linha onde n\u00e3o se sabe coisa alguma sobre o horizonte. Damos voltas ao redor de um mundo que n\u00e3o vai adiante. \u00c9 sempre o mesmo c\u00e9u, o mesmo v\u00e9u. Todos os homens s\u00e3o pequenas ilhas e todas as mulheres pequenas cidades. H\u00e1 uma multid\u00e3o inteira do lado de fora de uma simples janela, contando hist\u00f3rias onde nomes s\u00e3o sempre os mesmos e se confundem. Todo mundo sabe ou pensa saber. Todo mundo vive ou pensa viver. Mas h\u00e1 entre eles um olhar que mira um \u00e2ngulo torto e a perspectiva \u00e9 uma c\u00f4ncava que e imp\u00f5e e isto n\u00e3o \u00e9 poesia, mas arde, acende, apaga numa certa intensidade que parece esperar pelo que vem depois\u201d \u2013 Por isso epifanias de Rayssa Mendelson\u2026<\/em><\/p>\nAlexandra se sentiu nua. Viajou no tempo e espa\u00e7o e depois de tanto tempo lembrou-se daquele lugar onde deu seus primeiros passos. A lembran\u00e7a j\u00e1 n\u00e3o inspirava mais confian\u00e7a: era turva, opaca e aos poucos come\u00e7a a esmaecer como se fosse simplesmente desaparecer. Ela estava surpresa com aquelas primeiras palavras, afinal, aquela hist\u00f3ria ela conhecia muito bem… Mas seria curioso acompanhar o olhar de Rayssa sobre seu antigo mundo…<\/p>\n
>>> continua em: 16\/02\/2011<\/strong><\/p>\n