Por Lunna Guedes<\/a><\/strong><\/p>\n

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<\/a> Anne permaneceu ali durante um curto espa\u00e7o de tempo. Im\u00f3vel, a observar aquela paisagem fria e completamente indiferente de Alexandra que j\u00e1 n\u00e3o se parecia em nada com aquela menina que havia despertado em sua pele antigos sentimentos que at\u00e9 ent\u00e3o ela julgava incapaz de alimentar novamente. Anne precisava de uma resposta, que n\u00e3o veio. Havia entre elas um sil\u00eancio desolador. Ela ainda tentou buscar pela m\u00e3o daquela menina, mas a fuga inevit\u00e1vel n\u00e3o lhe permitiu nenhum outro gesto de carinho. Mas nem isso era o bastante para acreditar que novamente o fim se exibia aos seus olhos como forma de impress\u00e3o que fica na pele. Ela n\u00e3o iria colecionar mais uma decep\u00e7\u00e3o. A recusa a levou para junto de Alexandra que deu-lhe as costas enquanto procurava em suas entranhas uma forma menos ind\u00f3cil de dizer o inevit\u00e1vel.<\/p>\n

_ Diz alguma coisa Alexandra.<\/p>\n

Ela por sua vez, fugiu uma vez mais pelos caminhos que encontrou. Evitou a m\u00e3o de Anne que segundos antes havia aterrissado em seu ombro. Alguns passos por aqueles c\u00f4modos que repentinamente haviam se mostrado pequenos diante da imensid\u00e3o que se exibia do lado de fora daquela janela. Mas era preciso tecer palavras e o sil\u00eancio ent\u00e3o foi quebrado.<\/p>\n

_ Anne, eu n\u00e3o acho que voc\u00ea queira ouvir o que eu tenho a dizer. Ent\u00e3o vamos nos preservar de tudo isso\u2026
\n_ Preservar de que Alexandra?
\n_ Eu n\u00e3o quero perder tudo que a gente construiu. Quero muito preservar cada minuto com voc\u00ea, mesmo os mais dif\u00edceis. Eu quero muito ser sua amiga.<\/p>\n

As l\u00e1grimas invadiram o rosto de Anne que fugiu daqueles olhos que lembravam pret\u00e9ritos que ainda n\u00e3o estavam de todo, esquecidos.<\/p>\n

_ Eu n\u00e3o quero ser sua amiga Alexandra. \u2013 resmungou ela num canto rec\u00e9m descoberto, onde parecia ser poss\u00edvel se aninhar, fugindo de todos aqueles sentimentos ind\u00f3ceis que come\u00e7avam a se exibir em sua pele. _ Voc\u00ea n\u00e3o \u00e9 a \u00fanica pessoa a sentir medo Alexandra. Eu tenho os meus medos, inseguran\u00e7as, mas eu amo voc\u00ea. E eu sei que voc\u00ea me ama tamb\u00e9m. Eu sei disso desde a primeira vez em que nos encontramos. O jeito como voc\u00ea me olhou. Diz que eu estou mentindo
\n_ As coisas mudam\u2026
\n_ N\u00e3o. O amor n\u00e3o muda. Quando a gente ama de verdade \u00e9 pra sempre. E voc\u00ea sabe disso\u2026<\/p>\n

Alexandra respirou fundo, tentou encontrar uma palavra menos \u00e1rdua; mas Anne n\u00e3o se mostrava disposta a compreender suas intens\u00f5es.<\/p>\n

_ Eu sinto muito Anne, mas acabou\u2026<\/p>\n

O sil\u00eancio se imp\u00f4s entre elas como \u00fanica presen\u00e7a poss\u00edvel. Anne ficou im\u00f3vel e presa aquele olhar que deveria ser apenas dela; aquela pele que deveria conter suas digitais; aqueles l\u00e1bios que deveriam nutrir di\u00e1logos \u00edntimos sobre um amor que n\u00e3o se acaba como um livro que exibe sua \u00faltima p\u00e1gina. Ela engoliu seco. Em segundos rememorou cada minuto ao lado daquela menina que at\u00e9 segundos antes, era a sua menina.<\/p>\n

_ \u00c9 por causa dela, n\u00e3o \u00e9?
\n_ Voc\u00ea sabe que n\u00e3o\u2026
\n_ N\u00e3o, eu n\u00e3o sei. A \u00fanica coisa que eu sei \u00e9 que ningu\u00e9m mais al\u00e9m daquela Rayssa tem espa\u00e7o na sua vida. Tudo se converge pra ela. Voc\u00ea precisa dela pra absolutamente tudo. Pra aprovar o seu trabalho, o seu jeito de vestir, de andar. Tudo na sua vida se resume nela. Mas ela n\u00e3o te ama Alexandra\u2026
\n_ Chega Anne. A Rayssa n\u00e3o tem nada a ver com isso aqui. Eu tentei, voc\u00ea sabe disso. mas voc\u00ea me sufocou de todas as formas poss\u00edveis. Tudo em mim te incomoda: desde a roupa que eu uso at\u00e9 o trabalho que eu fa\u00e7o.
\n_ Voc\u00ea n\u00e3o est\u00e1 sendo justa comigo e voc\u00ea sabe disso\u2026
\n_ Voc\u00ea n\u00e3o me ama Anne. Voc\u00ea ama algu\u00e9m que s\u00f3 existe na sua cabe\u00e7a e o pior \u00e9 que voc\u00ea queria que eu fosse esse algu\u00e9m, mas eu n\u00e3o sou. Eu sou isso aqui que voc\u00ea esta vendo. E eu gosto muito de quem eu sou. Eu n\u00e3o sou perfeita e nem tenho a ilus\u00e3o de ser\u2026
\n_\u00a0 Eu posso aceitar isso Alexandra, s\u00f3 me d\u00e1 uma chance. Uma \u00faltima chance. Eu prometo a voc\u00ea que eu vou mudar\u2026 Por favor!
\n_ Eu n\u00e3o posso Anne. N\u00e3o d\u00e1\u2026 \u00c9 s\u00e9rio: acabou.
\n_ N\u00e3o. Voc\u00ea est\u00e1 enganada. N\u00e3o acabou. Eu n\u00e3o vou cometer o mesmo erro duas vezes. Eu n\u00e3o vou desistir de voc\u00ea e vou provar pra voc\u00ea que o que n\u00f3s temos n\u00e3o acabou.<\/p>\n

Anne deixou o envelope com o convite sobre a mesa e saiu. Parecia tatear o caminho com a ponta dos dedos como se estivesse no escuro. Era preciso ir, mas o desejo de ficar parecia mais forte. A porta se abriu e fechou-se rapidamente. Do lado de fora, o pranto veio a pele, machucada, inquieta. Ela se esfor\u00e7ava, muito al\u00e9m de suas for\u00e7as, para se manter em p\u00e9, mas estava prestes a desmoronar. Os bra\u00e7os cruzados a frente do corpo era sua forma de sustento. Eles se apertavam junto ao corpo numa forma de alento. J\u00e1 n\u00e3o havia l\u00e1grimas, apenas a dor de um vazio que come\u00e7ava a ganhar propor\u00e7\u00f5es infinitas. A demora do elevador n\u00e3o ajudava em nada. Seu corpo come\u00e7ava a ceder e as l\u00e1grimas voltavam de forma desorientada. O desespero se agigantava junto a\u00a0 m\u00e3o que parecia colher o pranto direto dos olhos. J\u00e1 parecia imposs\u00edvel respirar, sobreviver, mas era preciso.<\/p>\n

A porta do elevador finalmente se abriu junto com os sorrisos e enlaces de um casal apaixonado. Era Rayssa e seu estrangeiro. Anne se espremeu no canto na clara tentativa de n\u00e3o ser notada. Esperou que sa\u00edssem e se enfiou no elevador, nutrindo o desejo de que aquela porta se fechasse rapidamente. Mas ainda houve tempo para ouvir a campainha soar naquela apartamento e foi tudo\u2026<\/p>\n

Alexandra veio atender a porta com o descaso t\u00edpico de quem acreditava ser Anne e seu discurso repetitivo, mas foi surpreendida pela presen\u00e7a de sua amiga que finalmente estava de volta.<\/p>\n

_ N\u00e3o acredito. \u2013 disse ela em meio a um grito que parecia ser a \u00fanica representa\u00e7\u00e3o poss\u00edvel de uma alegria rec\u00e9m inventada naquela pele. As duas se ocuparam de um abra\u00e7o apertado, demorado que parecia n\u00e3o ter um fim poss\u00edvel. Mas havia outra pessoa\u00a0 ali esperando ser notada\u2026
\n_ Deixa eu te apresentar o culpado pela minha demora: Monsieur Michel Lawrence.
\n_ Enchant\u00e9. Voc\u00ea deve ser a Alex, penso eu? Ouvi falar muito em voc\u00ea\u2026<\/p>\n

Michel era belo homem. Figura s\u00f3lida, elegante. Com um sorriso espa\u00e7ado e uma educa\u00e7\u00e3o tipicamente europeia que o fez tomar a m\u00e3o de Alex para deixar ali a impress\u00e3o de um beijo que se perdeu no meio do caminho. Era mais velho que Rayssa e parecia am\u00e1-la um pouco mais a cada novo minuto apresentado. Seu olhar parecia s\u00f3 ter uma paisagem.<\/p>\n

_ O prazer \u00e9 todo meu, mas est\u00e1 em vantagem porque eu n\u00e3o ouvi falar tanto assim em voc\u00ea. S\u00f3 uma ou duas palavras do tipo \u201cagora eu vou te deixar porque o mon amour est\u00e1 me esperando\u201d. N\u00e3o \u00e9 o bastante e ela sabe disso e espero que voc\u00ea tamb\u00e9m saiba porque eu vou te fazer milhares de perguntas\u2026
\n_ Il n`y a pas de probl\u00e8me\u2026 Quero dizer \u201cn\u00e3o tem problema\u201d.<\/p>\n

Os segundos seguintes foram preenchidos com x\u00edcaras de ch\u00e1, sorrisos espa\u00e7ados que preencheram rapidamente todos os cantos daquele lugar que j\u00e1 havia se esquecido que minutos antes havia um infort\u00fanio natural a preencher todo o espa\u00e7o. Tudo pret\u00e9rito.<\/p>\n

_ Bem, adorei a companhia, mas preciso de um banho e tamb\u00e9m quero desfazer as malas. Uma desculpa natural para deix\u00e1-la a s\u00f3s. Sei que devem ter milh\u00f5es de coisas para dizer uma para a outra\u2026<\/p>\n

<\/a> O sorriso aberto das duas era uma confirma\u00e7\u00e3o daquela pequena forma de sabedoria daquele homem que causava risos em Alexandra por causa do sotaque apresentado por ele. Um franc\u00eas que dizia meia d\u00fazia de palavras em portugu\u00eas e que mergulhava nos l\u00e1bios de Rayssa com tanta entrega que causou suspiro na plat\u00e9ia que n\u00e3o escondia a felicidade por ver duas pessoas t\u00e3o parecidas, felizes por pertencerem ao mesmo universo.<\/p>\n

_ Pronto. Agora j\u00e1 pode me contar absolutamente tudo. Eu encontrei a Anne no corredor quando chegamos.
\n_ Ela esteve aqui, mas n\u00e3o quero falar dela. Quero te contar uma coisa muito louca que aconteceu comigo. Quer dizer: que eu acho que aconteceu. N\u00e3o sei. \u00c9 uma loucura\u2026
\n_ Algumas coisas n\u00e3o mudam, n\u00e3o \u00e9 mesmo?
\n_ N\u00e3o fala assim porque eu ainda estou atordoada com tudo. Eu encontrei aquele cara e de repente n\u00e3o conseguia parar de olhar pra ele. Minhas pernas ficaram bambas e o meu corpo parecia em chamas. Uma loucura.
\n_ Um homem? Uau\u2026
\n_ Como se voc\u00ea n\u00e3o soubesse. Eu nem sei de onde ele saiu e o pior \u00e9 que eu n\u00e3o sei absolutamente nada sobre ele. Nada. Nem o nome dele eu sei\u2026 E acredite se quiser, mas quando a Anne tocou a campainha aqui hoje, eu achei que poderia ser ele. Olha que loucura\u2026 E ainda tem isso: ele \u00e9 um homem.
\n_ E da\u00ed?
\n_ Bom, depois da Anne. Achei que eu s\u00f3 fosse gostar de mulheres.
\n_ Que bobagem Alex. N\u00e3o existe manual pra essas coisas. Sentimento n\u00e3o v\u00ea sexo, cor, ra\u00e7a. Isso \u00e9 coisa dos homens. Eles inventaram as regras. Mas elas n\u00e3o alcan\u00e7am aqui dentro. \u00c9 por isso que dizem que o amor \u00e9 cego.
\n_ Senti falta dos seus discursos. As coisas ficam mais simples quando v\u00eaem de voc\u00ea. Mas o que eu fa\u00e7o minha amiga? Sei l\u00e1. As coisas aconteceram de um jeito estranho. A gente nem se conhecia e j\u00e1 saiu se agarrando, se tocando. Tudo isso num estacionamento. D\u00e1 pra acreditar? Acho que foi s\u00f3 uma aventura pra ele contar para os amigos, se gabando de ter pego algu\u00e9m\u2026
\n_ Pronto. J\u00e1 come\u00e7aram as justificativas. Pode parando. Voc\u00ea n\u00e3o tem\u00a0 como saber nada disso. Ent\u00e3o trate de esperar. S\u00e3o Paulo n\u00e3o \u00e9 uma cidade assim t\u00e3o grande. Se tiver que ser minha cara, ser\u00e1. Voc\u00eas dois v\u00e3o virar uma esquina e pronto: se esbarram\u2026
\n_ Ser\u00e1?
\n_ Pode apostar.
\n_ Ai, deixa eu te contar. A revista vai ganhar vida pr\u00f3pria e sua\u00a0 novela est\u00e1 fazendo muito sucesso. Tenho centenas de e-mails pra voc\u00ea e a Ella Munhoz entrou em contato. \u00c9 uma editora que esta interessad\u00edssima em publicar seus escritos.
\n_ Quanta novidade pra uma simples volta\u2026
\n_ Simples volta n\u00e3o. Que absurdo dizer isso. \u00c9 a volta da Rayssa Mendelson: uma das melhores escritoras da atualidade e que eu tenho a honra de chamar de amiga\u2026
\n_ Pode parando com isso. Est\u00e1 me deixando sem gra\u00e7a\u2026
\n_ Vou pensar no seu caso. Ah! Na sexta tem uma super festa, organizada por esta que vos fala, para lan\u00e7ar a revista que vai ter mais p\u00e1ginas, mais artigos, entrevistas. Mas o estilo continua o mesmo.
\n_ Parab\u00e9ns. Eu sabia que esse seu talento iria longe.\u00a0 Mas agora voc\u00ea me dar licen\u00e7a porque eu vou tomar um banho e me jogar na cama. Eu n\u00e3o sei qual parte de uma viagem \u00e9 mais cansativa: a ida ou a volta. Acho que \u00e9 a volta porque a gente nunca volta de fato. Concorda?
\n_ Voc\u00ea tem raz\u00e3o: algumas coisas n\u00e3o mudam. Ainda mais no que se refere a Rayssa e suas teorias. Te adoro, sabia?<\/p>\n

Em meio a sorrisos e abra\u00e7os, elas encenaram uma breve despedida que durou at\u00e9 o caf\u00e9 da manh\u00e3 do dia seguinte que foi servido um pouco mais tarde, afinal, os hor\u00e1rios ainda n\u00e3o haviam entrado em acordo com o cansa\u00e7o daqueles corpos rec\u00e9m chegados\u2026<\/p>\n

>>> continua em 02\/03\/2011<\/strong><\/p>\n