Sol; braseiro eterno de mim

“As palavras eram livres de gramáticas e
podiam ficar em qualquer posição.
Por forma que o menino podia inaugurar.
Podia dar às pedras costumes de flor.
Podia dar ao canto formato de sol.
E, se quisesse caber em uma abelha, era
só abrir a palavra abelha e entrar dentro dela.
Como se fosse infância da língua”.

Manoel de Barros, em Poemas Rupestres

 

Imagem: weheartit

O sol, legitimamente brasileiro, numa manhã que se aninhava em versos, resolveu escrever cartas que ultrapassavam qualquer limite do Equador. Algumas vezes ele se escondia entre as vergonhas de uma nuvem que por ali passava, porém, os seus raios respingavam letras calientes que transbordavam sentimentos… Nunca vi o sol daquela maneira. Nunca parei para observá-lo como sinônimo de qualquer poesia cantada, no entanto, passei a admirá-lo nas diretrizes de um poema mal feito. E a culpa desses detalhes foi de alguém que passou por mim e deixou apenas saudades do verão.  E a partir daí, passei a entender que o sol, esse braseiro de manhã adiantada, enfeita castelos e vielas provocando letras que escurecerão ao entardecer.

Quem observará as palavras escritas no céu? As nuvens? Não, poetas que morrem dentro dos seus sentimentos!

Meus olhos, guardando todos os cuidados, observaram a beleza que respirava poesias de Manoel de Barros. Sei pouco sobre ele, do mesmo jeito que não entendo nada de sol. E não é porque observei as tardes no litoral que sou responsável pelo entendimento de qualquer astro que brilha no horizonte. Porém, existem detalhes que já estão dentro de nós: um castelo na colina, as nuvens que brincam de desenhos e até uma máquina que escreve versos sem letras. Admiro poetas que fazem isso na naturalidade da arte. Eu sou apenas uma aprendiz de versos nessas letras que enfeitam o sol.

As minhas paisagens oblíquas ficam perdidas dentro dos muros dessa cidade que respira um concreto armado de belezas. As nuvens ficam esquecidas nesses horizontes azuis que ensaiam chuvas todas as manhãs. E eu? Ah… eu me perco em cada estação do metrô e aninho em minha derme uma novidade de contar prédios que não cabem nessas rasuras mal feitas. Aprendo dia após dia o que é contar palavras em sentimentos e descubro-me amante de um sol completamente brasileiro. Ele inspira letras, e em suas discrepâncias, escreve cartas.

Depois de um tempo, longe de todas as águas salgadas da minha pele, eu passei a contemplar jardins com os olhos de visão aguçada. Bonito. Resplandecente. Mas, sem as ‘surpreendências’ do mar. Apenas um olhar ou outro na letra embaralhada das minhas janelas. Sol braseiro. Sol tipicamente brasileiro, sem retornos e afinações. Tomo um café, um chá, misturo sabores e embebedo-me de novidades acidentais. Alguns bancos a sombra e, um estanho objeto a enfeitar os meios e nada de fins. Meus olhos fotografam esses ângulos que são desenhados pelo braseiro sol, mas mesmo assim, continuo sem entender nada de raios.

Sombras artificiais embalam letras solares. Escrevo cartas, rasuro poemas e rabisco incontáveis devaneios. Quem entenderá as minhas palavras? Essas letras são apenas vazios grafitados de mim. Eu não entendo de sol e muito menos de sombras projetadas, mas ouso brincar de letras abstratas e quem sabe assim, passarei a entender de raios no horizonte. Nessas terras de planícies douradas a vida parece parar em meus olhos. Observo o passar do tempo, das pessoas e dos carros que não param no sinal vermelho.

O sol se despede e leva com ele as minhas cartas e traduções da sabedoria dos astros. Respiro. Deixo a lágrima cair e abraço o abstrato que ficou perdido em mim. Nunca saberei onde encontrar o sol e sua partida. Não buscarei o sonho, nem o sopro da planície de concreto. Tudo isso, são reflexos lentos do meu entendimento. Sentarei a sombra das letras e escreverei confusões invisíveis de mim…