Tema: e-pifanias
Autora: Lunna Guedes
Trilha sonora: Thank you for loving me – Bon Jovi

Acordar. As vezes eu sinto saudades do tempo em que acordar significava apenas abrir os olhos. Mas há tempos que eu não sei o que é isso. Eu vivo em transe, como se dormisse vinte e quatro horas por dia. Eu vivo ausente dos caminhos habituais: quando caminho pelas ruas da cidade, encontro movimentos alheios aos personagens reais e repentinamente salta de alguém uma espécie de bruma e lá está aquele mistério sendo desenhado para os meus olhos.

Na manhã de hoje eu saí para as ruas, tinha chovido e eu estava me sentindo estranha: tinha muitos sentimentos ardendo em minha pele e depois de meia dúzia de passos, percebi que nada daquilo era de fato meu… Foi então que eu percebi que eu havia simplesmente acordado.

Acordei com a alma deslocada para um outro corpo que não este, um espaço vago que me mostrava uma vida insatisfeita, uma dor insana e um olhar para uma espécie de horizonte estrangeiro, moldado por plantações de tomate e laranjas. Alguns passos a mais e encontrei uma praça com meia dúzia de bancos de cimento, uma igreja e meia dúzia de casas e lojas.  E lá estava uma cidade inteira e sua gente. No meio de tudo isso, uma jovem munida de um desejo incessante que cresce com o passar dos dias. Ela deseja ampliar seus horizontes, se libertar da prisão que aquela cidade representa para ela, ir além das fronteiras das cidades interioranas, mas os caminhos que ela percorre sempre trazem-na de volta.

Conforme minha caminhada seguia pelos bairros da Lapa, mais e mais eu me distanciava de mim e percebia que acordar há muito tempo não tem o mesmo significado. Hoje eu simplesmente acordei sendo outra, sendo essa figura humana que tece epifanias e teme as sombras que ela mesmo deixa por onde passa, sem saber ao certo se ela vive para si mesma ou se vive para que os outros saibam que ela não é igual a eles.

As pessoas dizem habitualmente que os escritores emprestram algo de si para seus personagens, mas não acredito nisso, porque Alexandra Mendes e eu só temos uma coisa em comum: escrevemos sobre os outros e as vezes sobre nós mesmas. Fora isso, somos estranhas que desde a manhã de hoje dividimos pensamentos, sensações e por assim dizer, devo admitir que foi ela quem de fato acordou e não eu…

A personagem:

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Alexandra Mendes era apenas mais uma jovem na paisagem pouco urbana de uma cidade interiorana onde todos conhecem detalhadamente a vida um do outro. Tímida e de poucas palavras, ela passou os anos de sua juventude indo e voltando do colégio a passos às vezes lentos, às vezes inventando uma pressa que se fazia necessária para evitar diálogos confusos com as pessoas que seguiam a sua volta.

A autora:

abraço amigo

Lunna Guedes, italiana por obrigação, paulistana por opção, gosta de outono, de chuva no fim da tarde, de sol ameno pelas manhãs. É meio bruxa, meio menina, meio moleca, meio velha. Não tem idade, nem noção. Irrealidade é seu sobrenome, paixão é sua condição.

Conheça mais um pouquinho dessa grande poeta da alma lendo os blogs: Teorias Impossíveis (Porque nem tudo tem explicações possíveis…) e Lunnáticos (…rascunhos contando uma história).

A partir do dia 22 de novembro, no Entre Marés, E-pifanias!

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