E-pifanias – Cap. V
Por Lunna Guedes
“ela tem olhos bem abertos e cabelos armados. Vive ao sabor do vento e no ritmo das músicas que gritam em suas orelhas. Passa por mim e por tantos outros como se fossemos ausências futuras. Acho que não habitamos os mesmos mundos, embora seus passos habitem os mesmos lugares que os meus – e isso me assusta já que ela gosta de sombras de árvores e mesas solitárias da biblioteca. Somos parecidas, não iguais porque ninguém é igual a ninguém. Mas são tantas as semelhanças que sempre me pergunto sobre a realidade que navega em seu caminhar. Seria ela um delírio meu? Mas eu nunca tive delírios antes. Se bem que dizem que tudo sempre aponta para um possível começo. Seria esse o meu?”
Há tempos que Alexandra avistava aquela jovem arisca pelo campus: suas mãos levavam sempre meia dúzia de livros para todos os cantos do campus: uma sombra de árvore, uma mesa que serviria de banco, ou a biblioteca. Na mochila levava seu computador pessoal que parecia ser seu melhor amigo. Seus dedos eram ágeis, ela parecia possuída de uma pressa que a obrigava a movimentos rápidos como se pudesse perder alguma coisa importante. Vez ou outra, ela simplesmente parava para olhar a paisagem a sua volta e era quando seus olhos e lábios pareciam sorrir satisfeitos com alguma forma de descoberta feita. Era completamente impossível saber o que se passava naquela mente… Com os fones sempre “colados” junto aos ouvidos, ela imprimia movimentos engraçados aos seus braços e pernas que pareciam desconectados da mente que seguia presa a tela do computador enquanto o resto parecia usufruir da música que seguia “gritando” por ali. Era como se ela simplesmente não quisesse participar daquele mundo que se ausentava dela para se entregar aos demais, a quem rotineiramente ela era indiferente.
Ela se vestia de preto como se estivesse de luto o tempo todo. Não havia outra cor que não aquela a fantasiar sua pele. Já seus cabelos mudavam de cor conforme a estação do ano: já tinham sido louros, castanhos, negros e agora estavam levemente avermelhados. Uma coisa apenas não mudava: o comprimento: sempre na altura dos ombros, e normalmente uma boina francesa cobria-os e essa obrigatoriamente também mudava de cor.
As duas sempre se encontravam naquele templo sagrado, repleto de estantes, mesas e livros e ali se esqueciam de ponteiros e calendários. Alexandra sentava-se sempre a mesma mesa, colocava a mochila em uma das cadeiras, pegava seu famoso caderno de capa preta onde o mundo ganhava inevitáveis descrições, o lápis que auxiliava naquele exercício diário, convertido por ela em diálogo e um único livro, cuidadosamente escolhido no meio de todos os demais que tinham seus espaços demarcados naquelas prateleiras cujo cheiro a embriagava. Tudo muito organizado, silencioso e centrado.
Já a outra, sentava-se mais ao fundo, numa mesa ao lado das prateleiras. A jovem de olhares amendoados mantinha sobre a mesa uma pequena dezena de livros: alguns acumulados em pilhas, outros espalhados sobre a mesa de forma aleatória, abertos em determinadas páginas que eram devidamente marcadas por um pedaçinho de papel amarelo onde ela fazia mínimas anotações. A leitura se dava em meio ao som de músicas que como de costume “berravam” em suas orelhas. Vez ou outra ela se levantava e partia em busca de um livro que parecia preencher um espaço vago no meio daquele caos. Ela parecia desejar desbravar todos aqueles livros como se estivesse a bordo da mais importante aventura de toda a sua vida.
E como aquilo era interessante. Alexandra poderia ficar ali o resto da tarde, apenas gozando do prazer de observar aquela jovem cujo movimento a fascinava e cujo mistério a seduzia. Tudo nela era um combinado de ações e reações sempre adversas e completamente inesperadas.
“hoje eu passei a tarde pensando nas coisas reais e em seus possíveis significados. Vi as pessoas passarem por mim em suas janelas de existir e fiquei ali, em meu canto de mundo, imaginando o que elas pensam e sentem. Não me lembro de ter me preocupado com isso antes, mas sei que isso aconteceu depois que eu vi aquela jovem cujo olhar parece despir minha matéria de forma atrevida e consciente. Sei que é por causa dela que penso no sentido do real e do imaginário: “até que ponto somos movidos pela realidade sem que a ilusão nos abrace de forma incondicional?” – “Será possível delirar a ponto de criar alguém com características tão reais que pareça ser verdadeiramente humana? Confesso que tenho medo. Li em algum lugar que os escritores são assim: inventam cidades, pessoas, lugares e em dado momento perdem a capacidade de distinguir o real do imaginário completamente. Será que isso deve se tornar de fato uma preocupação em minha vida? Ou será que tudo isso é apenas uma aquisição involuntária?”…
A falta de uma resposta prática e objetiva a fez andar naquele pequeno quarto de um lado para o outro. Seu corpo estava mergulhado numa estranha tensão. O medo seguia crescendo em suas entranhas de forma desalentadora e tudo que ela desejava naquele momento era se libertar de tudo aquilo, afinal, tudo que ela tinha de concreto era sua lucidez. Era a realidade de seus atos que alimentava aquele seu velho sonho de ir para longe daquele maldito cenário. Ela não podia se perder ou o preço a pagar seria a eternidade emoldurada naquela janela.
Alexandra arremessou seu corpo sobre a cama num descaso intenso consigo mesma e foi só então que percebeu o quanto o silêncio daquela cidade a protegia: era como se aquela ausência de barulhos e ruídos conseguisse embalar todos os seus fantasmas, colocando-os para dormir até a manhã seguinte quando tudo simplesmente recomeçava. Era tudo muito simples, bastava fechar os olhos, respirar fundo e esperar o despertador tocar na manhã seguinte, comumente às cinco e quinze da manhã.
O som a despertava dos sonhos da noite como se dissesse “acorda e vai viver menina”, mas naquela manhã, ela ficou um pouco mais em meio aos lençóis. Seus pensamentos estavam mais calmos, exibiam uma lucidez aprazível e foi assim que ela viu surgir em sua derme uma certeza tranqüilizadora: era preciso evitar que seu olhar descobrisse aquela jovem novamente. Sua sanidade estava em jogo e nada mais importava, afinal, os delírios são o último degrau para a loucura.
_ É tudo muito simples: toda vez que ela surgir a sua frente, você ignora. Ela vai desaparecer naturalmente e tudo vai voltar ao normal. Vai a luta Alexandra Mendes e sem medo, não esquece que é lá fora que o sonho vive. – disse ela olhando para seu reflexo no espelho enquanto exibia aquele sorriso confiante em seus lábios, mas a preocupação era para com o olhar que parecia descobrir aquela estranha em qualquer canto e lugar daquele campus.
>>> continua…
Próximo capítulo 08/12/2010
Alex
Adorei a nova personagem. hahahaha
Nossa, deve ser uma loucura ficar na dúvida entre realidade e fantasia. E o desespero da minha xará. Muito bom. Agora será que é real ou não? E no caso de não ser real, como será que ela vai lidar com isso?
Awen
Rosane Marega
…hum, as vezes adoro viver a fantasia…rsrs
Lindissimo SU!!!
Beijosssss e uma maravilhosa semana
Valéria Sorohan
Agora estou começando a entender Alexandra.
BeijooO*
Cassya
Ela é meio confusa. Não sei direito, sabe? Fiquei em dúvida mesmo porque como alguém pode ter tanto medo a ponto de achar que aquela pessoa não é real? Vou aguardar pelo próximo capítulo, eu ainda estou tentando entende-la. Beijos com açúcar e com afeto
Reflexo d Alma
Navegando por aqui…
volto com
certeza.
bjins entre sonhos e delirios
Clara
Querida Lunna,
Capítulos cada vez mais intrigantes, poderosos e envolventes!
Seu estilo de escrita mexe muito com os leitores, pode ter certeza disso!!
Parabéns… Continuo aguardando ansiosa o desenrolar do conto!
Beijos!
José María Souza Costa
Bom é fantasiar. Belissimo blog. Estou aqui lhe convidando aq visitar o meu blog, e se possivel seguirmos juntos por eles. Estasrei grato esperando por voce lá
Abraços de verdade
Eraldo Paulino
A fantasia faz parte da realidade tanto quanto não dá pra beijar sem fechar os olhos.
Lindo.
Bjs!
Suzana Martins
Huum…
E agora a Alexandra começa construir a suas fantasias, realidades e sua própria história…
P.s.: Geente, como a Alex (sim, a Alex mesmo, rsrs…) é pontual, hein?!! kkkkkkkkk…. Estou impressionada!!! rsrs…
Beeijos Luuuu^^
Laura K.
Fantasiar, fugir um pouco da realidade árdua, é bom de vez em quando. Só de vez em quando.
Tatiana Kielberman
Hey Lunna!
Alexandra me faz pensar e repensar… viver e reviver!
Pensamentos, sentimentos e ações que se misturam na trama…
Adorável! Parabéns!
Beijos, querida!!
Helena
É impressão minha ou a temática da história é o medo da Alexandra. Ela é doce, mas parece sensível demais as coisas a sua volta, da mesma forma parece não estar pronta para enfrentar as transições. Ela saiu da pequena cidade, mas está longe de alcançar a maturidade porque se certa forma parece que ainda está lá. Presa e no menor sinal de perigo ela foge de volta. Estou adorando.