Por Lunna Guedes

epifanias

Os dias seguintes se precipitam junto aquelas duas figuras que seguiam suas vidas no meio de uma multidão. Elas se descobriam e às vezes se inventavam em meio a sorrisos e olhares atentos.

image Alexandra ainda se assustava com aquela forma humana da qual já não conseguia mais fugir. Ela era uma espécie de tempestade que havia desabado repentinamente sobre sua cabeça. Ela tinha corrido para se proteger, mas a chuva estava tão linda que os trovões que cobriam o céu pareciam convidá-la e ela não pode recusar por muito tempo. Despiu os pés, abandonou tudo que tinha e foi caminhar peças poças no meio do caminho.

Todos os diálogos ocorridos a partir daquele dia enfileiravam sorrisos nos lábios uma da outra e os olhares pareciam dizer “o que é o tempo se não um fragmento de nossa história”. Sim, elas pareciam se conhecer há décadas: ocupavam as sombras do campus e a mesma mesa da biblioteca, pareciam ter uma vida de diálogos para por em dia e não se cansavam de narrar poemas, contos, histórias suas e de outras pessoas…

Rayssa era uma futura escritora, estava terminando seu primeiro romance, intitulado “o clube dos imortais” que tinha centenas de linhas, dúzias de anotações, milhares de rascunhos e nenhum outro olhar que não o dela mesma. Era seu maior mistério.

_ O que tanto você escreve nesse computador?
_ A história de uma garota que enlouquece e descobre na loucura a sua forma de sanidade.
_ Como surgiu essa história. – estranho ela.
_ Através de uma pessoa que eu conheci tempos atrás.
_ Então é real? – Alexandra não escondeu a empolgação diante daquela notícia que parecia vestir uma estranha forma de importância pra ela.
_ Não exatamente, mas eu explico isso pra você numa outra hora. Estou atrasada para a próxima aula.
_ Não vai me deixar ler o que você está escrevendo?
_ Não está pronto ainda. Talvez quando estiver eu te mostro.
_ Não é justo.
_ E quem disse que a vida é justa? – o sorriso de Rayssa parecia caçoar daquele comentário. Mas havia momentos em que aquela garota simplesmente não levava nada a sério e aquele sorriso franco, aberto era prova disso. _ Mas eu tenho outra coisa pra você ler. – Ela tirou um pacote de dentro de sua mochila, entregando-o para sua amiga.
_ O que é isso?
_ Só vai saber se abrir. Eu não conto…
O tal pacote trazia um livro de Caio Fernando Abreu e lá na primeira página havia uma anotação, uma espécie de dedicatória:

“ela é uma moça de poses delicadas, sorrisos discretos e olhar misterioso. Ela tem cara de menina mimada, um quê de esquisitice, uma sensibilidade de flor, um jeito encantado de ser, um toque de intuição e um tom de doçura. Ela reflete lilás, um brilho de estrela, uma inquietude, uma solidão de artista e um ar sensato de cientista. Ela é intensa e tem mania de sentir por completo, de amar por completo e de ser por completo. Dentro dela tem um coração bobo, que é sempre capaz de amar e de acreditar outra vez. Ela tem aquele gosto doce de menina romântica e aquele gosto ácido de mulher moderna”. Caio Fernando Abreu

“Eu apenas completaria dizendo que: ela se esconde atrás de uma porta pesada que há tempos tenta abrir, mas faltam forças e vez ou outra falta entusiasmo também. Ela tem aromas de todas as estações e vive em uma cidade tão pequena que ainda não aprendeu que horizontes não se alcançam, mas mesmo assim é preciso ir atrás dele. Ela tem medo da realidade e da ilusão também, mas talvez um dia ela perceba que a realidade é muito fascinante, não pra se viver nela, mas pra se viver dela”. Sua amiga Rayssa Mendelson

E o silêncio que surgiu a partir daquela leitura silenciosa foi desalentador. Seus olhos percorreram a paisagem diversas vezes como se procurasse por alguma coisa, mas não havia nada por lá que explicasse aquela sensação inusitada que se precipitava em suas veias. “como é possível?” – indagava-se, afinal, era a primeira vez em sua vida que alguém estava tão próximo dela e se inicialmente houve um desconforto, agora o que existia era uma tranqüilidade absurda e uma satisfação agradável que a fez sorrir diante de suas desconfianças tolas quanto ao fato de Rayssa ser de fato real ou não. De repente não importava mais, ela era real sim, mas se não fosse não faria diferença alguma.

Alexandra leu e releu aqueles dizeres inúmeras vezes e quando se lembrou de agradecer pelo presente, percebeu finalmente que Rayssa já tinha ido embora. Já era tarde e um véu de escuridão debruçava lentamente por aquela paisagem. Era preciso pressa, era preciso recolher seus pertences rapidamente e correr para alcançar o ônibus, afinal, a volta para casa tinha seus prazos de validade…

Os pés se atropelavam pelos caminhos de sempre, se precipitando em agonias, afinal, os ponteiros nutriam desesperos em seus trajetos. O ponto de ônibus estava vazio, o que não era bom sinal. Ela teria que esperar aproximadamente vinte minutos e não haveria tempo bastante para pegar o último ônibus para casa. Ela repetia pra si mesma “vai dar tempo”, mas sua pele sabia que não era verdade, ainda assim havia a insistência natural, o temor em suas veias aumentava mais e mais a cada novo segundo. Em todos aqueles anos, ela nunca tinha dormido fora de casa e por mais estranho que fosse, ela só conseguia pensar na paisagem de sua janela. Seu desespero diminuiu para ao lançar seus olhos sobre os ponteiros que trazia no pulso viu sua preocupação voltar…

Foi então que uma buzina e um aceno do outro lado da rua chamaram sua atenção.

_ Venha, eu te dou uma carona… Ela pensou em recusar, mas dado o horário não podia fazê-lo, então atravessou a rua, dirigindo-se até aquele belo carro prateado que parecia uma extensão natural daquela garota, cuja família deveria ter seus milhões. Ela não conseguia pensar em outra forma de alguém tão jovem quanto Rayssa ter um carro igual aquele.

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>>> continua…

Próximo capítulo, 15/12/2010