Por Lunna Guedes

epifanias

image Rayssa levou sua amiga até aquela pequena cidade que àquela hora parecia deserta. Não havia ninguém pelas ruas, na certa estavam todos presos em suas janelas iluminadas aproveitando do conforto de seus sofás.

Alexandra não escondia o desconforto que aquela situação causava em sua pele, afinal, ela conhecia bem aquelas pessoas que não gostavam de “gente de outros mundos” percorrendo suas ruas. Tudo ali naquele lugar parecia ter dono e sem a devida autorização, caminhar por ali era praticamente um crime.

_ Então é nessa cidadezinha que a dona Alex cresceu. Lugar curioso isso…
_ É uma cidade pequena…
_ Eu acho que todas as cidades são pequenas: todas têm ruas, esquinas, praças, meia dúzia de casas, de lojas, de pessoas. Só depende pra onde a gente olha… Todo lugar tem seu charme, suas histórias. Querendo ou não, esse lugar é parte de sua construção. Não pode simplesmente abandoná-lo. Eu sei que você quer ir embora, mas vai levar muito daqui com você.
_ Espero que você esteja completamente errada…
_ Sabe de uma coisa? Eu poderia escrever sobre você e essa cidade…
_ É mesmo? Quer dizer então que eu posso acabar sendo uma de suas personagens e essa cidade um de seus cenários?
_ Não, claro que não. Eu disse que poderia.
_ E o que te impede?
_ Pra que fazer algo que alguém já fez antes de mim? – o sorriso de Rayssa parecia exibir uma certeza significativa que fez Alexandra sorrir.

O carro parou diante daquela estranha construção com seu portão marrom e um muro rústico que escondiam inúmeras plantas.

_ Pronto: está entregue…
_ Você não precisava ter me trazido até aqui.
_ Como não? Foi por minha causa que você perdeu a hora, o ônibus e por pouco não perde a si mesma…
_ Você não é real.
_ Pensei que já tivesse se resolvido quanto a isso.

Alexandra já não se surpreendia mais com aqueles comentários. Ela podia ser um mistério para a maioria das pessoas daquela cidade, mas para Rayssa ela era um livro aberto com algumas folhas em branco onde anotações tardias poderiam ser feitas.

Mas ainda havia espaço para surpresas entre elas como um abraço que vestiu a pele de Alexandra de forma inusitada. Ela nunca antes tinha sido abraçada e por um breve instante ficou inquieta, sem reação, mas cedeu aquele carinho de última hora que um simples abraço preenche lacunas inteiras.

Ela desceu do carro, ficou ali na calçada com o coração nas mãos e o pensamento entre as estrelas enquanto confecciona um aceno demorado, lento que era apreciado por diversos olhares colados em suas janelas. Na manhã seguinte, todos aqueles olhares iriam virar passos e sua mãe teria inúmeros reparos para fazer em calças e vestidos. Era assim que aquelas pessoas se comportavam.

“ela é uma estranha e ainda assim a conheço. Sei de suas ilusões diversas e realidades muitas. Gosto quando ela se abre em sorrisos e se perde em alegrias recém inventadas. Tudo pra ela é motivo de festa. Seus traços se espalham por todos os lados e aos poucos os nossos movimentos se confundem uns com os outros. Nada sabemos sobre o ontem e não falamos disso. Os caminhos dela e os meus se encontraram e não sei bem por que. Só sei que parecem teoremas dizendo bem alto: “aqui só você entra e depois disso não saí mais”…

image Alexandra se entregou de vez ao silêncio e as suas sombras. Lamentou que fosse sábado no dia seguinte, pois não teria como falar com sua amiga e queria contar a ela os seus pensamentos e alguns de seus muitos sentimentos. O medo que antes era um raio a parti-la no meio, agora era uma chuva branda lavando a alma e a sujeira do corpo. Houve demora no sono que chegou sem que ela percebesse e foi embora muito depois do habitual…

A casa exibia vozes pelos quatro cantos, mas uma delas se sobressaía. O som da risada era conhecida e Alexandra precisou esfregar os olhos para ter certeza que estava de fato acordada. As luzes do dia já estavam altas e a preguiça em seu corpo se espalhava pelos cantos de seu corpo quando sua mãe abriu a porta trazendo consigo aquela visita matinal que imprimiu rapidamente um sorriso em seus lábios e um estranho desejo em sua pele que a fez levantar e mergulhar num abraço gostoso, matinal.

_ O que está fazendo aqui?
_ Primeiramente: bom dia…
_ Claro, desculpe. Bom dia.
_ Agora as explicações: quando eu estava indo embora ontem, depois de te deixar aqui, encontrei inúmeros caminhos e…
_ Se perdeu?
_ Não. Claro que não. Eu adoro trilhas e fiquei imaginando todos aqueles caminhos percorridos durante o dia. Por isso estou aqui: quero me mostre os caminhos dessa cidade…
_ Está bem. Eu vou tomar um banho, trocar de roupa, comer alguma coisa e a gente vai. Você pode esperar aqui enquanto isso.

A mãe de Alexandra estava ali, parada, imóvel, observando aquela estranha cena. As duas pareciam se conhecer tão bem e, no entanto, ela nunca tinha visto aquela jovem até aquela manhã, quando ouviu palmas em seu portão. Ela ouviu das suas visitas “é ela, a estranha de ontem que trouxe Alexandra pra casa” – então soube que precisava ir ver o que a tal estranha queria e logo soube que era uma visita para sua filha e isso sim era estranho, mas ao mesmo tempo parecia agradável saber que finalmente Alexandra finalmente tinha conhecido alguém que provocasse aquele sorriso bonito que ela nunca tinha visto antes e aquela empolgação que não sabia que existia.

_ Você fique a vontade, por favor. Ela não costuma demorar no banho. Eu preciso voltar lá pra sala. Tenho muitas clientes hoje e desconfio que terei muito mais até o final do dia…

E ela estava certa, porque enquanto sua filha saiu para passear na companhia da amiga, todas as mulheres daquela cidade inventaram consertos em alguma peça de roupa.

>>> continua

Próximo capítulo 20/12/2010