Por Lunna Guedes

epifanias

image Mesa posta, som de xícaras, sorrisos imensos e aquela calma tradicional que só se afastou por um minuto graças a um telefonema que Bruno recebeu minutos antes. Era de seu filho. A notícia vinha do outro lado do mundo. Reyna estaria em casa antes do ano novo. Notícia que rendeu aplausos e mais sorrisos gigantescos.

Mari era uma dessas mulheres incríveis que sentia saudades dos filhos quando estavam longe, mas não ousava podar-lhe as asas porque gostava do sabor da volta quando podia abraçá-los e beijá-los até a exaustão, como tinha feito com Rayssa que não passava um só dia sem mergulhar naquele colo gostoso e aconchegante. Mari passava as mãos em seus cabelos, em seu rosto e não havia um só momento em que Rayssa não fechava os olhos por meia dúzia de minutos e se esquecia do mundo ali. Era impossível não se sentir feliz participando daquela cena tão aconchegante.

Ela era uma mulher elegante, conhecia todas as lojas de grife da cidade e tinha conhecidos na maioria delas. Pessoas que ela chamava pelo nome ou por adjetivos carinhosos. Cuidava da pele, dos cabelos e das unhas aos sábados pela manhã. Nadava duas vezes por semana, corria e pedalava ao lado do marido pelas ruas do bairro e comumente era vista aos beijos e abraços com ele. Os dois tinham profissões distintas, mas trabalho não alcançava as paredes internas daquela casa. Então era quase impossível saber o que eles faziam quando seguiam seus destinos depois do café da manhã…

image Mas naquela manhã, Mari levou Rayssa e Alexandra até o famoso apartamento que recebia os últimos retoques. Já tinha sido pintadas com cores fortes e alternadas, como se cada parede tivesse recebido uma cor: vermelho cereja, verde musgo, azul petróleo em contraste com o creme onde as luzes de luminárias pareciam vibrar. Móveis em tons escuros se multiplicavam pelos recintos meticulosamente decorados por aquela mulher de aparência desértica que parecia incapaz de sorrir. Seu olhar era sem expressão, seus movimentos opacos e seus lábios ressecados só diziam o necessário. Suas duas ajudantes seguiam as ordens finais e distribuíam algumas peças como vasos, quadros e luminárias pelo caminho. Era visível a falta de qualidades naquela mulher, mas era preciso afirmar com segurança: ela estava fazendo um excelente trabalho naquele lugar. Tudo ali parecia ser uma perfeita continuação daquela jovem e seus temporais.

Alexandra caminhava por aqueles cômodos com uma lentidão típica de quem sente um duro golpe. Ela já não sabia mais se tinha espaço na vida daquela jovem que até então era sua única e melhor amiga; em suas lembranças recentes havia aquele olhar reprovador, lançado por ela em sua direção. Ela não a condenava, mas não escondia a decepção sentida em seu âmago diante daqueles dizeres cheios de preconceito.

_ E então? O que achou? Minha mãe acha que está ficando a minha cara.
_ Ela tem razão. Está perfeito. Lembra você em todos os detalhes.
_ Que bom. Vem comigo. Tem um lugar muito especial pra mim que eu quero te mostrar.

image Alexandra foi puxada pelas mãos por aquele pequeno corredor que terminava numa porta branca onde havia uma placa que dizia “welcome” e lá dentro a visão de um paraíso. Era um quarto cuidadosamente decorado com uma cama que se prolongava em prateleiras junto a parede e uma espécie de balcão do outro lado. Um pouco mais acima um móvel em forma de retângulo formando outras prateleiras com livros e cd´s devidamente deixados lá para aqueles momentos noturnos de solidão. Uma mesa redonda de frente para uma janela entreaberta com cortinas esvoaçantes e um mensageiro dos ventos disposto a dar boas vindas a quem fosse morar ali. Havia muitos outros pequenos detalhes que precisavam de tempo para serem observados, mas tudo ali estava perfeito.

_ Gostou?
_ Claro. Então esse aqui é seu futuro quarto?
_ Meu? Não…
_ Seu irmão vem morar aqui com você?
_ Claro que não. O Reyna é cidadão do mundo. Ele não para em lugar nenhum por muito tempo. Sua alma é uma gaivota voando sobre os mares. Vez ou outra pisa na areia quente da praia, mas seu lugar de verdade é o infinito. Poético isso, não acha?
_ Se viesse de outra pessoa com certeza, mas vindo de você me parece natural. É apenas a Rayssa Mendelson sendo ela mesma.

O silencio entre elas durou pouco mais de um minuto, tempo bastante para algumas lembranças se impor entre elas. Rayssa buscou pela mão da amiga numa espécie de carinho que se estende por todo o corpo e ali próxima a ela, buscou por seu olhar de menina perdida. Veio então aquele sorriso gostoso, extravagante que era contagiante. Ele parecia começar em Mari e terminar ali naquela menina mulher e seus temporais de verão.

_ Bem, a gente terminou a faculdade e até ontem eu não conseguia imaginar você voltando pra Teodoro Sampaio. Não depois de ter experimentado essa cidade. Então esse quarto era pra ser seu Alex, mas você resolveu que quer voltar para aquela cidade. E a escolha é você quem faz e parece que você já fez isso. Eu continuo achando que você é parte integrante dessa paisagem urbana, mas o que eu acho de fato não importa. Mas se mudar de idéia já tem onde ficar… E eu iria adorar ter a sua companhia todos os dias: tomar café da manhã juntas, almoçar, jantar… Sair por aí. Você é o meu conceito garota.

Ela sempre usava palavras difíceis em algum momento. Palavras que precisavam de interpretação. Como assim “você é o meu conceito” se perguntava Alexandra que ficou ali com os olhos mareados, transbordando pela face como se todos os seus sentimentos ultrapassassem sua pele numa fração de segundos. Sentiu-se tão pequena, tão mínima. Ela queria ficar. Nunca antes se sentiu tão parte integrante de um lugar como agora, mas como lidar com aquele sentimento estranho, conflitante que insistia em fazê-la pensar naquela sombra que visitava seus lábios a todo o momento?

_ Você já notou que eu vivo te fazendo convites Alex?

E o sorriso finalmente voltou àqueles lábios. Alexandra buscou por Rayssa em um abraço longo, demorado e ficou ali se escondendo do mundo. Era uma cena curiosa, pensava ela, afinal, anos antes ela havia estranhado um simples abraço entregue a ela por aquela figura que como da primeira vez em que seus olhos a descobriram no campus da faculdade: não parecia nada real. Alexandra enxugou as lágrimas, se afastou, sem soltar suas mãos das mãos de Rayssa, olhou a sua volta e por fim exibiu um sorriso agradável.

_ E você já reparou que eu vivo aceitando os seus convites? Será que vai ser sempre assim?
_ Eu espero que sim. Mas agora a gente precisa comemorar: o que acha de uma taça enorme de sorvete, com creme, chantilly, caldas de caramelo e chocolate e muita cereja?
_ Parece perfeito…

image A tarde de Alexandra terminou numa sorveteria ao lado daquelas pessoas que exibiam sorrisos e pareciam ter um conceito bem próprio de felicidade e foi só então que ela percebeu que pela primeira vez em toda a sua vida, ela se sentia fazendo parte de uma família e ficou ali em seu canto, observando aquelas pessoas em meio a mais um susto, mas dessa vez não houve medos ou receios, apenas um conforto natural que a fez sorrir diante do olhar atento de sua amiga que parecia saber o que estava acontecendo em sua derme. É claro que ela sabia. Alexandra só não sabia como, mas Rayssa sempre sabia de tudo antes de qualquer outro…

>>> continua…

Próximo capítulo 17/01/2011