Epifanias – cap. 19

Por Lunna Guedes

“Estou lendo exaustivamente uma história que ainda segue indefinida. Nunca antes havia acompanhado um processo criativo. Estou fascinada. Como tudo se desenha, se forma. Acontece. Parece simples, natural. Tenho sobre a mesa um combinado de folhas rascunhadas, com anotações precisas acerca de personagens que poderiam bem ser eu ou até mesmo você. Como também pode ser alguém distante do qual ouvimos falar durante a viagem de ônibus ao voltar pra casa. Aquela conversa que pegamos no meio e nunca sabemos o fim. Claro. Esquecemos de tudo isso ao virar a próxima esquina, porque aqui é preciso atenção ao que vem a seguir e não podemos nos dar ao desplante de nos ater aos incômodos momentos que ficarão no banco do ônibus… Ele passa por nós também, não é mesmo? Mas essa história narra um encontro entre duas pessoas que aos poucos vão saltando da ilusão para a realidade e eu posso visualiza-lós com distinção. Sei que ele não espera amar e tão pouco tem desejos secretos. é um homem simples. Meio sem graça. Quieto. Observador e que sente pesar em voltar pra casa. Sei que ela foi abandonada no meio do caminho. Mas não percebeu. Se trancou em si mesma e quase jogou as chaves fora. Mas um dia despertou e foi de encontro a si mesma. Os dois se encontram e parece que a vida de ambos surge justamente ali. Antes que perguntem. Não é um romance. É uma novela. Não pensem em nada relacionado as seis, sete ou oito. É novela dessas que ocupam páginas de livro. Estilo literário. Quase tão antigo quanto a nossa literatura”….

Rayssa chegou em casa no final da tarde. Encontrou a amiga em meio a todos aqueles rascunhos. Tinha um ar leve. Olhar enternecido. E sensações de horizonte.

_ Por onde andas dona Alex?
_ Longe. Vagueando por uma cidade do interior onde uma certa moça se encontra com um certo moço. Estou completamente apaixonada pela sua história. Eu quero saber mais…
_ Calma. As coisas ainda estão acontecendo e não me precipite. As coisas tem o seu devido tempo.
_ Eles vão se apaixonar? Ficar juntos?
_ É só nisso que pensa?
_ Eu quero uma paixão avassaladora. Caliente. Alucinante que tome os dois de assalto, abalando as estruturas. Aquela paixão que só pertence aos livros…
_ Engraçado isso. Acha mesmo que as paixões pertencem apenas aos livros?

Mas antes que a resposta fosse dada, a campainha ressoou pela casa; o que fez Alexandra procurar por um relógio. De certo era Anne. Mulher pontual. Mas antes que ela se movesse em direção a porta, Rayssa o fez, abrindo a porta para aquela mulher a bordo de seus quarenta anos ou mais. Cabelos brancos. Figura europeia. Sorriso contido. Movimentos parcos. Tentava se impor ao mesmo tempo em que tentava seduzir aquela jovem com que parecia rivalizar.

_ Olá. Eu sou Anne Letrech…
_ Eu sei quem é você. Boa noite. A Alex está na sala. Eu sei que conhece o caminho, fique a vontade?

O sorriso pouco, quase desapareceu. Anne repetiu o nome “Alex” dúzias de vezes em sua mente. Não aprovava, afinal, achava o nome de sua namorada lindo demais para ser abreviado. Mas respirou fundo e por fim falsificou um sorriso em seus lábios.

_ Claro. É um prazer finalmente conhecê-la. A Alexandra fala muito em você. Até parece que eu já te conheço há anos…
_ Impossível porque mesmo convivendo uma vida inteira com alguém não dá pra dizer que o conhecemos. Você é uma artista, deve saber disso até melhor que eu. Posso fechar a porta?
_ Claro Rayssa.

O sorriso de Anne havia desaparecido completamente. Naquele momento as impressões acerca de Rayssa já estavam todas prontas: jovem arrogante, nariz empinado e com toda certeza preconceituosa. Aquela amizade não iria fazer bem para Alexandra, mas ela não poderia impor seus pensamentos de imediato, teria sim que fazer com que a descoberta fosse algo natural ou a derrotada ali seria ela e não aquela figura humana com ares de superioridade.

Anne dirigiu-se a sala onde Alexandra estava sendo consumida pela curiosidade acerca daquela história que ainda engatinhava. As duas trocaram sorrisos. Eram discretas quando havia outras pessoas por perto. Era preciso, afinal, o mundo não era o lugar mais agradável do mundo em alguns momentos.

_ Ainda lendo aquela história?
_ São rascunhos. A história em si ainda está dentro da cabeça da Rayssa. Mas eu fico imaginando o que vai acontecer com as personagens. A Rayssa escreve muito bem. Sei lá, eu me envolvo com as histórias que ela escreve.
_ Eu pensei que a empolgação fosse diminuir depois do post que você escreveu. Não é sempre assim que acontece?
_ Nem sempre. Com as histórias da Rayssa não é assim…
_ Será que dá pra esquecer essa história por alguns minutinhos? Eu tenho uma surpresa pra você.
_ O que é?
_ Meu novo trabalho: um conjunto de trinta e duas fotos para as quais você foi a inspiração.
_ Eu? Está falando sério?
_ Claro que estou. Eu nunca brinco quando o assunto é arte. Só estou em dúvida com relação ao título. Pensei em “luz íntima”. Mas não senti a força que eu precisava. Depois pensei em “sombra mística”. Mas fiquei com medo dessa moda atual. Parece que tudo é místico… E por fim pensei em “olhar direto” que é o que eu mais gostei até agora.
_ Só posso dizer alguma coisa se eu ver as fotos.
_ Sabia que iria dizer isso. Estão em casa, esperando por você… Vamos?

A mão de Anne serviu de apoio para Alexandra se levantar. Ela juntou os papéis esparramados sobre a mesa, levando-os para seu quarto de onde voltou com uma mochila. Deu um abraço apertado em Rayssa que estava na cozinha tomando uma xícara de chá enquanto rabiscava meia dúzia de palavras num guardanapo de papel. Ela se mantinha alheia aquele cenário porque ainda não tinha uma impressão acerca daquela aventura amorosa de sua amiga, então preferia espiar de longe e para longe foram Anne e Alexandra que foi surpreendida com uma mesa cuidadosamente decorada com flores, taças, talheres e pratos. Muito mais que exibir seu novo projeto, havia ali um convite para que a noite não fosse apenas uma página e sim um capítulo inteiro.

>>> continua…

Próximo capítulo 26/01/2011