Por Lunna Guedes

epifanias

namorado_alexandra Alexandra voltou para o carro a passos lentos. Trazia na mente aquela figura humana que lhe conferia agora e desde poucos minutos antes uma espécie de memórias de um corpo que ainda sentia inquietações e todas aquelas manifestações iniciadas por um breve olhar lançado em direção a um rosto bem desenhado. Um lábio escandaloso que parecia se impor através de um beijo lento que seguia pelo caminho natural de quem devora o que encontra  pela frente. Ela já conseguia imaginar o toque daquelas mãos que repousavam quietas e caladas sobre o balcão num movimento natural de espera enquanto seus pés trepidavam dentro do sapato. A ponta de seus dedos não tinha sossego. O resto do corpo também não.

Ela sorria enquanto alcançava seu carro onde tentava organizar a bagunça feita no banco de trás. Não sentiu o vento a tumultuar seu vestido. Expondo-a. Falta de hábito. Estava sempre com calças que impediam que suas nádegas fossem expostas como estavam sendo naquele momento.

Alexandra não sabia de olhares atentos sobre seu corpo. Sabia apenas das fantasias que causavam sorrisos desavergonhados em seus lábios. Ela salpicava a respiração com suas emoções recém inventadas. Um delírio e de repente o abuso. Mãos sentindo sua derme. Alisando fortemente seus contornos. Seu corpo sendo prensado de forma rude contra o banco do carro. Ela tentou reagir, mas foi facilmente dominada por aquele estranho que sentia todo o seu avesso com as mãos e as pontas dos dedos. Naturalmente selvagem, abusado…

image Alexandra sentiu o hálito quente daquele homem em seu pescoço. Todo o calor de seu corpo junto ao seu. Seu toque  em cada músculo, veia, ruga que até então era apenas seu e agora pertencia aquele ser pelo qual deveria sentir repulsa e, no entanto, sentia-se fêmea, entregue aquele perfume que a embriagava…

Ele a puxou para si num movimento inesperado e só então ela soube. Era ele. Custou a crer no que via. Tentou romper com o delírio. Não havia meios. Era suficientemente real. Não mais lutou. Rendeu-se aos toques, as carícias. Aquele beijo que inundava seus lábios causando uma ânsia natural que atracava a pele dos dois. O pouco fôlego que ainda restava se esvaia.

As mãos dele percorriam suas formas inteiras, reinventando-as sem frescura alguma. Cada músculo reagia na intensidade exata que o momento pedia. Não havia nenhuma forma de silêncio possível entre eles. Beijos estalavam. Sussurros intermitentes se reproduziam. A derme apalpada, sentida, pelo avesso, por dentro e por fora se manifestava em ruídos cada vez mais intensos. Os seios agudos couberam nas mãos dele. Apalpados com volúpia. Sentidos pela boca. As coxas afastadas num mistério corrediço que expunha aquele ventre como a um ninho… E ali mesmo, sem maiores pudores ele a invadiu num consumir de chamas. Um incêndio causado por um desejo recém inventado, recém descoberto.  Uma tempestade a atravessar a pele opaca que se veste do outro e então se esvazia como se fosse verão e o sol precisasse voltar a carga depois de alguns minutos por entre as nuvens.

Finalmente fizeram silencio. Estavam ofegantes. A derme aos poucos recuperava a sensatez perdida há pouco e começava a existir uma tentativa vazia de compreender tudo aquilo.  Ele não conseguiu dizer nada. Voltou a si, afastou-se. Ajeitou a camisa, o blazer. Fechou o zíper da calça e tentou encontrar alguma palavra que justificasse aquele gesto. Estava derrubado. Tonto. Imóvel.

Ela não se sentia diferente. Estava atordoada, mas sua pele parecia mansa, satisfeita… Seu olhar ainda o decorava. Não queria dizer nada. Queria apenas recuperar seu equilíbrio natural. Seu centro. Buscou as imagens comuns a sua volta, mas acabou surpreendida pela aproximação de um segurança do estacionamento. A possibilidade de alguém ter presenciado aquele rompante a deixou inquieta, fazendo com ela fechasse a porta de trás num movimento rápido para só então entrar no carro. Indo embora numa fração de segundos. Tudo muito rápido para incompreensão daquele estranho que seguia tentando compreender sua condição.

_ O senhor está bem?
_ Eu?

A derme daquele homem exibia constrangimentos vários. Ele se movimentava de forma desordenada. Sentia o suor escorrendo em suas costas, braços, rosto. Seu olhar percorria diferentes direções sem conseguir capturar absolutamente nada e só então se deu conta que nada sabia daquela jovem e lamentou sua precipitação.

_ Precisa de alguma coisa, senhor?
_ Eu não sei quem ela é…
_ De quem o senhor está falando senhor? Algum problema com a pessoa naquele carro?
_ Não. Na verdade não. Eu estou bem. Só preciso voltar para o meu carro. Com licença.

O segurança cruzou os braços a frente do corpo e ficou observando os passos daquele homem de volta para seu carro. Certificou-se de sua saída e informou pelo walktalk que estava tudo bem. Como se nada tivesse acontecido…

*****

O dia passou rapidamente. Alexandra voltou para casa, abandonando-se no sofá. Sua mente ainda duvidava de tudo que havia acontecido. Mas seu corpo trazia as marcas daquele encontro: manchas vermelhas pelo pescoço, o perfume estonteante daquele homem que não passava de um simples estranho com o qual, provavelmente, ela nunca mais iria se encontrar. Tal possibilidade fez seu sangue ferver. Não era natural que seus músculos de seu rosto impusessem movimentos numa espécie de prazer que se repete apenas por fechar os olhos. Mas era fato, o sabor daqueles lábios ainda estava nos seus e aquele corpo não tinha ido embora, permanecia ali a causar tremores e sensações de desejo entre suas pernas onde a saia de seu vestido se aninhava junto as suas mãos.

A campainha tocou. Foi o bastante para aquele corpo levantar-se prontamente. O sorriso franco ficou por ali até que ela se repreendesse por tal feito, afinal, como um estranho poderia saber seu endereço? Teria ele a seguido? Tal possibilidade a levou até a porta que foi aberta prontamente, num movimento brusco, arredio. Era Anne que tinha em mãos um envelope branco. Ela estava diferente. Comum. Sem grandes atrativos.

_ Sabia que iria te encontrar aqui. Posso entrar?
_ Claro. – disse ela, largando-a junto a porta numa espécie de descaso natural. Típico de quem esperava por outra coisa que não aquela.
_ Incomodo?
_ De forma alguma. Eu é que estou cansada. A semana está muito corrida. Tantas coisas acontecendo…
_ Eu sei. Hoje é seu aniversário. Já ganhou algum presente?

O pensamento perdeu-se em outras direções e o sorriso fez Anne acreditar que Rayssa já tinha se antecipado. Sempre ela.

_ Eu trouxe um convite pra você. Não é exatamente um presente. Mas espero que goste. Tem muito de você, de mim na minha nova exposição. Com certeza será a melhor de todas… Passei as últimas semanas trabalhando nos detalhes e sinto que consegui me expor como nunca antes. E isso graças a você…

_ Não diga isso.

Anne aproximou-se de Alexandra. Buscou por seus olhos e num movimento rápido, alcançou seu rosto com uma das mãos numa carícia investigativa. O polegar tocou aqueles lábios suavemente umedecidos e ela desejou uní-los aos seus lábios, mas não o fez.

_ Eu sinto sua falta. Ainda não me acostumei a acordar sem você… Por isso eu vou deixar a porta aberta.

E antes que Alexandra pudesse dizer qualquer coisa, Anne a silenciou com um beijo que não encontrou resistência, mas também não viu resposta.

_ Me pede pra ficar?

Alexandra respirou fundo. Esqueceu da presença de Anne ali naquela sala e viajou de encontro a lembrança dos contornos daquele homem que, repentinamente, havia deixado de ser um estranho – passando a ser a partir de então apenas um certo alguém cujo nome ainda era desconhecido…

>>> continua em 28/02/2011