Eu costumava tocar violão no final da tarde ou, até mesmo, na metade do dia. Independente da chuva caindo no telhado ou do sol despedindo-se no horizonte, eu sempre estava ali, sentada na calçada, dedilhando notas que escorriam entre as cordas de nylon daquele instrumento. Cada som que ecoava sustentava uma sequência cadenciada de melodias que existiam apenas naquele momento.

Eu era tantas notas e ao mesmo tempo o arrepio de uma única pausa. Não que houvesse intenções por trás da canção, ou expectativas de uma pauta ou pentagrama, mas o fato é que as notas tocadas ali choravam ou sorriam sentimentos que eram gritados apenas no sussurrar das cordas.

Não havia talento sobrecarregando aplausos, a música tocada ali saía sem pedir reconhecimento, era apenas um caminho vicioso de melodias que nada tinham de inócuas…

À medida que o tempo ia passando o violão calava as canções que eram tocadas na calçada. Nenhum som dedilhado interpreta mais os momentos que docemente eram sentidos. Hoje o silêncio das cordas empoeiradas revela a nota na pausa, o instrumento encontra-se num canto qualquer sem ecoar mistérios do sentir… Os dedos daquele tempo não conseguem mais reproduzir sons, apenas a intensidade de uma distância que se revela em outras letras.

A música tocada vem de outros fones…

Eu sinto saudades do violão e da calçada. Sinto saudades até daquele pôr-do-sol que escorria entre os ventos ao entardecer… Sinto saudade da música misteriosamente reconhecida ali. Hoje, os dedos temem a corda de nylon, mas nunca esquecerá as notas do primeiro amor vivido com a intensidade do dedilhar em pausas…


… talvez um dia, acumulado de saudades, o violão volte a cantar…