BEDA – cartas para abril*

Chuva a escorrer pelas laterais do universo e dentro da beleza do cinza urbano

Caríssima,

Hoje o dia amanheceu enfeitado pelo cinza das nuvens chuvosas. O céu em seu espetáculo particular, arranha no azul quase invisível, rastros de sol a pincelar a paisagem urbana. Vai chover! Os pássaros estão agitados, cantando por aí, voando de um lado para o outro, tentando aninhar-se em alguma árvore ou nos seus espaços habituais. Há em mim gotas de satisfação nesse contemplar a paisagem que se arruma para receber a frente fria e as suas águas.

O perfume do dia do chuvoso é um convite para caminhar pelas ruas do bairro-casa. Saio sem me preocupar com os pingos que se aproximam. Ignoro o temporal e perambulo por aí, a contemplar a paisagem molhada do ontem. A rua enfeitada de flores e folhas úmidas desenham saudades tuas pelo caminho. Te imagino no sótão com todas as tuas metamorfoses acumuladas. Folhas secas entre livros de poesia, papeis espalhados pelos cantos e outras histórias a encantar o teu olhar.

Folhas de papel embalam as tuas letras no encantamento profundo de todas as tuas linhas.

Outra folha cai, Lu. Hoje não tem registro. Deixei o celular em casa. Agi por impulso quando atravessei o quintal e vim apreciar os detalhes e arestas das ruas do bairro-abrigo. Lembrei-me de ti em cada passo e acabei escrevendo esta missiva mentalmente. Nos dias cinzentos e chuvosos o teu sorriso invade as lacunas do poema feito vendaval no final da tarde de verão.

Começou a chover. Não corro para abrigar-me a fim de esperar a chuva passar. Acompanho os pingos em cada passo. Gosto das gotas que acariciam a derme e do perfume que fica no ar. Aprendi contigo a apreciar a beleza dos dias chuvosos. A metamorfose do meu ser a encantar-se com o delicado barulho da chuva a invadir o universo. O monocromático tempo a misturar-se com outros tons é encantamento na essência do sentir.

Cheguei em casa. Nem percebi o mundo a minha volta enquanto eu caminhava pelas ruas do bairro-casa-abrigo. Sei que tive a tua companhia em cada pedaço desse espaço-tempo. Culpa da chuva e do outono que rasgam a paisagem.

Vou fazer um café e escrever a tua missiva.

Hoje eu não sei como o tempo enfeita a tua paisagem de concreto. Por aqui, o vento levou a chuva para outra estação. O sol rasgou as nuvens e agora o azul e o cinza dividem o mesmo espaço. Ou seja, teremos um dia chuvoso com traços de sol a perpetuar no horizonte.

Ah… coisas do outono a suspirar em cada vendaval!

Que o seu dia seja perfumado. Grazie pela companhia na caminhada de hoje.

Bacio, caríssima!


Abril é o mês do BEDA (blog every day april) e participam comigo:
Lunna Guedes – Mariana Gouveia – Roseli Pedroso – Obdúlio Nuñes Ortega

*Em abril também trocamos correspondências no blog da Scenarium