Carta aberta para Anita Malfatti

Querida Anita,

O dia lá fora está amarelo. Há espalhado nesse universo, o qual eu resisto e abrigo, inumeráveis cores que passam do amarelo ao ciano feito pincel colorindo a tela. É um dia típico de verão, mas a brisa imita alguns tons de outono e isso provoca amenidades entre o tempo e o vento. Seria um dia perfeito para abrigar-se no Farol das tuas telas e morar na saudosa Paisagem de Santo Amaro.

Tenho tantas coisas para lhe dizer, Anita. Falar de como a sua coragem contribuiu para que pudéssemos mergulhar no mundo das artes. Dizer como a tua força feminina contribuiu para o nosso encontro com as tintas, pinceis e letras. A sua passagem e convívio com os vanguardistas valeram a pena. E mesmo ainda existindo muitos Lobatos metidos a entender de arte e cultura, e pronto para criticarem o seu sentir abstrato pulsando em cores e palavras, resistimos! A nossa resistência encontra-se na essência da arte e na busca pelo conhecer e viver entre as pincelas da sua Onda e também nas artes digitais que apareceram neste mundo pós-moderno.

Hoje eu entendo, ou finjo compreender, as tuas expressões em tela. Não sou das artes plásticas, mas o design fez com o que eu aproximasse um pouco das tuas cores para compreender os conceitos guardados além da caixa. Aprendi a apreciar as tuas cores quando vi pela primeira vez o teu Farol. Fui guiada pelas luzes que inebriavam daquela tela. Jamais esquecerei aquele céu explodindo suavemente em detalhes que impressionavam. Surreal! Apenas perceptivo. E como esquecer o Homem Amarelo e aquele olhar perdido? Observar aqueles olhos tão melancólicos mudou as minhas percepções equivocadas a respeito da tua arte. Ah, Anita! Há tanta melancolia no olhar das tuas telas… Eu fico aqui, feito Boba admirando cada detalhe nos olhos da Fernanda de Castro, Mário de Andrade e da tua Estudante Russa.

Desculpa o meu atrevimento em fazer do nome das tuas telas o complemento das minhas palavras nessa missiva endereçada ao teu infinito. Mas o Barco das tuas tintas reinventa letras numa paisagem equivocada de mim. As tuas pinceladas é a mais singela das expressões, é a surrealidade dos fatos e o conceito da liberdade. Aprendi com as tuas tintas carregadas de coragem.

Despeço-me com o coração agradecido pelo legado que nos deixou. O teu enfretamento, a tua paixão e a tua vontade transformaram o que conhecemos hoje por arte. Após cem anos do movimento que foi criticado, vaiado e tão mal falado pela sociedade artística da época, seguimos por aqui celebrando e bebendo dessa fonte cultural que trouxe a arte para o pulsar sensorial e perceptível. É a liberdade poética do passado que ultrapassou o tempo, no sentir profundo das palavras. Deu certo, viu?! E tudo o que tenho a dizer é obrigada, Anita! A arte é isso, né?! Transgressora!

Lá fora, a ventania mudou a paisagem. Aqui dentro as letras mudaram a estação. Sigo o curso da mudança entre uma letra e um gole de chá. Quem sabe a gente se encontra no infinito das tuas telas ou no conceito abstrato do meu imaginário.

Até um dia.

Com afeto e algumas letras pinceladas,

Sua mais nova admiradora, Suzana


Essa é uma carta em homenagem a Anita Malfatti para comemorar os cem anos do modernismo brasileiro. No meu perfil do Instagram há uma série de posts sobre a Semana de Arte Moderna, para saber mais é só clicar no link (posts da Semana de 22 aqui)