Porto Seguro, outono com nuvens carregadas de saudade.

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“Os olhos dos outros são prisões; seus pensamentos nossas celas.”
(Virginia Woolf)

Querida Menina,

Tenho saudades de ti. Saudades que se acumulam entre letras, diários, papeis e tantas outras cartas que ficaram por escrever. Tenho saudades de quando eu entrava em teu sótão nas madrugadas chuvosas, ou daqueles dias em que o sol por aqui se acumulava imitando o verão. Há em mim saudades do sótão e da menina que mora nele… Sinto saudades de quando caminhávamos pelas ruas de nossas ilusões ou apenas de quando trocávamos receitas no meio da tarde. A verdade é que sinto tantas saudades tuas que tudo em mim dói, principalmente em minhas sentimentalidades. Até a Victória que caminhava por aqui, resolveu andar por outros lugares, acho que ela saiu na ânsia de te encontrar em alguma estação…

O tempo tem se descontrolado por aqui, por isso ando meio transparente. Na realidade nós, o tempo e eu, nunca nos entendemos… Mas parece que faz algum tempo que esse tal tempo tem me pirraçado e isso me incomoda tanto que chego a descontrolar as minhas palavras. É triste passar sob a tua janela e não poder dizer ‘oi’, não poder abraçar-te e nem trocar simples palavras contigo. Tenho feito isso todos os dias, e quando vou chamá-la em algum lugar por aqui o chato e insistente telefone resolve gritar bem próximo aos meus ouvidos.

Mas não foi por isso que resolvi te escrever. Quis escrever pra ti porque gosto de trocar palavras contigo. Gosto dos teus olhares e da maneira como tu descreves cada um deles…

“Não sabemos da alma senão da nossa;
As dos outros são olhares,
são gestos, são palavras,
com a suposição
de qualquer semelhança
no fundo.”
(Fernando Pessoa)

image No meu olhar, há uma saudade que chove e escorre tempestades, tanto aqui dentro como ali fora.

Do lado de cá, bem dentro de mim, há uma saudade que me envolve em doces e deliciosas recordações daquele inverno em que nos abraçamos. E do lado de lá, que é ali fora, há uma chuva de outono trazendo aromas de uma cidade e de um sótão que tem enfeites outonais. A chuva trouxe o vento e com ele uma tímida capa de inverno carregada de lembranças dos livros que não foram lidos, mas de histórias que foram contadas e principalmente vividas.

Sabe?! Às vezes eu me sinto personagem de tuas histórias. Parece que aqueles dias em que estive contigo, foi como viver em algumas páginas dos teus livros. Tá, eu sei! É estranho, não é?! Mas é que todas as tuas palavras me prendem que eu me sinto assim: personagem perto de ti. E quer saber onde eu sempre me perco? Lá em Petrópolis, com a Déborah! Ali naquele jardim em que o inverno brinca de flores e o outono pinta os acordes e as letras de uma história quem tem cheiro de vida… Eu chego até a contar estrelas, quem sabe assim eu te encontro nelas?!

“Que a mim pois seja dado saborear o momento,
antes que ele se propague pelo restante do mundo!”
(Virginia Woolf)

imageAh Menina! Leve-me até teu sótão! Tenho em mim saudades que chamam por ti…

Quando eu passar novamente sob a tua janela me chame, quem sabe assim o tempo comece a caminhar entre os versos de um outono que sente falta de escrever. Ou então, convide-me para tomar uma xícara de chá e assim conversaremos horas a fio sobre todo tipo de assunto… Vamos compor os poemas que ficaram entre “terra e mar”, vamos gargalhar, vamos brincar com o cão que joga basquete… Vamos amenizar a saudade que insiste em causar temporais.

“Mas se algum dia você não vier depois do café da manhã, se algum dia avistar você em algum espelho, talvez procurando por outro homem, se o telefone toca e toca em seu quarto vazio, então depois de indizível agonia, então – pois não tem fim a loucura do coração humano – procurarei outro, encontrarei outro você. Nesse meio tempo, vamos abolir com um sopro o tiquetaque dos relógios. Chegue mais perto de mim.”
(Virginia Woolf)

Enquanto tu não vens, sento-me aqui, na grama do jardim, e continuo lendo Virgínia Woolf e pensando em Deborah, é uma maneira de te sentir por perto…

Estou a tua espera para o próximo gole de chá.


Beijos e um abraço carregado de saudade.

Adoro você, Lu!

Da Menina de Asas que também atende carinhosamente pelo nome de Flor de Lóctus.