E-pifanias. Cap 26
Por Lunna Guedes
Era madrugada alta quando Alexandra acordou, num susto. Deveriam ser quatro horas ou mais. Os ponteiros não pareciam certos. O horário de verão já havia começado novamente, mas ela estava tão desatenta aqueles últimos dias que não se lembrava nem mesmo de ter dormido naquele seu ninho, onde tudo era tranqüila e havia sido oferecido a ela sem nenhuma exigência “é seu enquanto quiser que seja”. Aquela voz seguia em seu intimo. Suave e generosa, como de costume… O apartamento andava vazio, sem graça desde o dia em que Rayssa cruzou o oceano e não importava se elas se falavam diariamente. Não era a mesma coisa acordar pela manhã sem aquele abraço que parecia conter o mundo. Sem aquele sorriso de menina que conhece tudo e jura nada conhecer.
_ Eu não posso. Além do mais, com toda certeza, você iria acabar encontrando alguém ou alguma coisa que iria te incomodar. E ao invés de ficar por lá dez dias, iríamos ficar quando muito: dois ou três. A viagem se transformaria num inferno porque você iria insistir o tempo todo para virmos embora.
_Não…
_ Tem certeza que não? Por que nos últimos tempos você implica até com as sombras das árvores que segundo você: rouba-me de você. Eu estou cansada disso. Eu não sou uma propriedade com demarcações, muro, portões, grades, cadeados. Eu sou um ser humano e você está conseguindo destruir tudo que era pra ser agradável, bonito. E sinceramente eu acho que você não gosta de mim. As minhas roupas te incomodam, os meus amigos, o meu trabalho. Tudo que eu faço incomoda você. Absolutamente tudo… Eu estou cansada. Muito cansada…
_ Não diz isso. Eu juro que eu vou tentar mudar. Você vai ver…
_ Quantas vezes você já disse isso? Estamos juntos há três anos e você passou a maior parte do tempo se desculpando por causa do seu maldito ciúme, sua insegurança, sua desconfiança. Você não conhece entender a coisa mais bonita que eu tenho na vida…
_ A Rayssa?
_ Eu dispenso o seu sarcasmo. A Rayssa é uma pessoa muito querida. Uma amiga pra todo o momento, pra todas as horas. Eu achei que nós duas fôssemos ter algo próximo disso…
_ Teríamos se ela não estivesse o tempo todo presente na sua vida. Ocupando todos os espaços. Não deixando nada pra ninguém…
Rayssa dias antes tinha comparado Anne com os personagens de Sartre em “A idade da razão” onde Mathieu e Ivich são sempre, um para o outro, algo diverso do que poderiam ser, quase sempre menos ou mais do que de fato desejavam. “Não era amor o amor que Sartre tecia naquelas linhas” – dizia ela em seu e-mail. E naquele momento ficou fácil compreender que não era amor o que ela sentia, mas também não sabia como definir seus sentimentos. Rayssa achava que era encanto. Anne tinha a idade que Alexandra considerava perfeita. Tinha alcançando o sucesso. Morava sozinha, tinha um atelier e conhecia um mundo do qual até então, ela nem se quer tinha ouvido falar. Tudo isso misturado naquela feição lúcida, misteriosa e envolvente que agora parecia um desenho a carvão que tinha sido esquecido na chuva…
Anne percebeu rapidamente que aquela discussão tinha chegado ao fim. Viu quando Alexandra passou por ela com sua mochila e saiu pela porta, deixando-a ali com seu prato. “me desculpe” murmurou para o vazio enquanto suas lágrimas se multiplicavam pelo cenário vazio daquela figura que amava mais que tudo em sua vida.
O silêncio daquele lugar foi se intensificando lentamente até se tornar insuportável. Repentinamente, Anne se viu possuída por uma fúria incontrolável que a fez quebrar tudo que conseguiu arremessar contra a parede. Só parou quando seu corpo alcançou a exaustão e ela se viu ali em meio a destruição causada por seus atos descontrolados. O inevitável aconteceu: uma gargalhada desenfreada tomou conta do espaço enquanto seu corpo escorregava pela parede até o chão. Ela adormeceu ali mesmo e só acordou dois dias depois com o som da campainha que a fez abrir os olhos e pensar em Alexandra. Correu até a porta, mas se frustrou com a figura de sua assistente que não escondia o susto de ver aquela expressão pálida, olhos inchados, avermelhados, sem força, sem brilho.
_ Não houve absolutamente nada. Agora vá embora.
Mas ela insistiu, foi fácil passar por Anne que estava visivelmente cansada e sem forças. O lugar estava um lixo. Tudo quebrado. Fora do lugar.
_ O que foi que aconteceu aqui Anne?
_ Eu já disse que não aconteceu nada. Agora vá embora. Eu não te chamei aqui…
_ Faz dois dias que você não aparece no atelier. Eu estava preocupada. Me deixa cuidar de você. Eu arrumo tudo aqui…
_ Você é uma figurinha tão deprimente. Vive se esgueirando a minha volta. Faz de tudo pra que eu te perceba. Mas eu não te percebo. Você não é nada. Não é ninguém… Agora vá embora, de vez. Nem se dê ao trabalho de aparecer no meu atelier. Eu não te quero lá também…
_ Precisa comer alguma coisa.
_ Eu não quero…
_ Mas vai comer. Nem que eu tenha que enfiar isso na sua boca e te obrigar a engolir…
O tom ameaçador fez Anne recuar, comendo duas torradas e tomando o chá. Foi tudo. Ela acordou dias depois. Quase tudo estava de volta ao seu lugar. Aquela menina petulante havia arrumado suas coisas, jogado o que estava quebrado fora. Mas ainda restava ela que estava em cacos…
_ Cadê a Alexandra? Onde ela está?
_ Eu não sei…
_ Que dia é hoje?
_ Quinta-feira. Você dormiu durante três dias…
_ Meu corpo está me dizendo isso. Eu estou com fome.
_ Isso é ótimo. Eu vou preparar um desjejum bem caprichado pra você. Me dê alguns minutos. Por que não toma um banho enquanto isso? Veste roupas novas e depois a gente pode caminhar. Vai te fazer bem…
Cintia (Tin) Fumagalli
Ain Lu, acho que eu peguei o trem andando e na estação errada. É uma novela ou é um conto?
RosaMaria
Estou em segundo lugar no TOP comentaristas?!!
Adorei!
Retomando os trabalhos, ops ao comentário.
Sempre fico com aquele gostinho de quero mais.
"Que os sensíveis sejam também protegidos.
Que sejam protegidos todos os que veem muito além das aparências"
Beijão!
Eraldo Paulino
Eu não pude acompanhar tudo, mas, digamos, pelo rumo que leio, dá pra entender em que mundo estou rs
E sempre que leio me surpreendo com a tua capacidade de prender nossa atenção. E eu descubro muitas coisas com as sombras também.
Parabéns!
Bjs!
Suzana Martins
Eeeeeiita…..
Agora eu adooooooooooooooray a Alex. Que atitude, hein?!! Geeeeeeeeeeeeeeeeeeeeente… perfeita!!!
Adorei a cara da Anne lá no chão, sem saber como reagir… hehehehe…
E essa Liana?? Vai ficar com a Anne? E a Rayssa? Vai voltar??
Luuuuuuuuuuu…… eu fico aqui curiooooooooosa! rsrsrs…
Beijos e beijos…
Meninas noveleiras?? Cadê vcs???
Beijoos
Alex
Até que enfim a Alex resolveu tomar uma atitude. Mas agora eu fiquei em dúvida quanto a Anne. Toda essa dor, esse transtorno apenas para criar algo? Então ela não gosta da Alex, era só um meio para a criação? Gente, é isso mesmo? Ai, odeio ficar em dúvida. Vou ler tudo de novo.
Beijosssssss para as duas de novo
Helena
A Anne é uma artista e acho que na verdade ela não pretendia se envolver com a Alexandra da forma como se envolveu e acho que agora que ela percebeu que errou nas atitudes vai usar a arte pra "se salvar". Eu acho que é isso. E talvez, de repente ela consiga reconquistar a Alex. bisus meninas
Clara
Expectativa em alto ritmo!
Beijos, Lunna!