Epifanias – cap. 18
Por Lunna Guedes
O sorriso se ocupou dos lábios de Alexandra que permaneceu em pé junto a porta. Completamente imóvel. Seu corpo parecia imerso numa emoção profunda, exagerada e sincera. Eram tantas precipitações que as boas maneiras foram esquecidas e as duas ficaram ali mesmo.
_ Vejo que está surpresa com a minha visita. Mas eu não consegui mais esperar por notícias suas. Ontem eu estava passando aqui na frente quando te vi entrar nesse prédio. Não pensei duas vezes e perguntei por você ao porteiro.
_ Eu andei ocupada. Nossa, eu nem te convidei a entrar. Me desculpe: entre…
Alexandra tinha ensaiado inúmeras vezes aquele reencontro. Diante do espelho, repetiu dúzias de vezes às mesmas palavras. Um simples “oi” era motivo de suspiros e descontentamentos “você não pode apenas dizer oi” repreendia-se a todo o momento e desistia da idéia de ir ao encontro daquela mulher que lhe roubava o sossego.
_ Eu fiquei pensando se tinha feito alguma coisa que te aborreceu…
_ De certo que não. Por que pensou isso?
_ Você desapareceu…
_ Eu pensei em vê-la desde que decidi ficar em São Paulo…
_ Então vai mesmo ficar? Algo aqui dentro de mim dizia que isso iria acontecer. Estou muito feliz por você e claro, por mim também.
Alexandra engoliu a vontade de sorrir, mordiscando os lábios e desviando o assunto em seguida ao lembrar que as flores precisavam de um vaso e que xícaras esperavam por aqueles saquinhos de chá orientais com os quais fora presenteada.
_ Muito bonito o seu apartamento.
_ Não é meu, é da Rayssa.
_ Rayssa?
_ Uma amiga.
Aquela explicação parecia ser necessária como se o olhar de Anne se precipitasse junto ao de Alexandra numa dúvida desnecessária, mas latente. Mas diante daquela explicação, o assunto se perdeu, como se nem tivesse chegado a existir.
_ Você precisa conhecer o meu atelier. Eu te dei o endereço?
_ Você anotou no folder da sua exposição…
_ Então porque não foi até lá ainda?
O sorriso amarelo voltou aos lábios de Alexandra que parecia não saber o que dizer. Ela queria ter ido até lá, mas havia um medo natural em sua pele. Algo do qual ela ainda não havia conseguido se libertar. Sempre que algo novo surgia em sua vida, havia aquele tremor que a fazia ficar imóvel. Tinha sido assim com Rayssa e estava sendo exatamente assim com Anne.
Sentadas a mesa, saboreavam o chá enquanto espiavam cada movimento projetado por elas. Seus olhares se encontravam rapidamente, mas às vezes Alexandra fugia. O medo do novo, do desconhecido se fazia mais forte. Havia tanta inquietação em sua pele que o desejo de voltar para seu quarto começava a crescer em suas veias. Ela queria dizer muitas coisas, mas não encontrava palavras. Naquele momento sentia falta de seu velho caderno de capa preta onde todos os seus sentimentos se transformavam em palavras rapidamente. Havia uma espécie de ensaio natural em seus lábios, mas nada que pudesse ser dito.
Anne por sua vez exibia um sorriso desarmado enquanto seus olhos apreciavam as texturas daquela pele que tudo dizia e que parecia exibir os avessos das coisas vividas por aquela menina que estava feliz com as mudanças precipitadas em seu cenário humano. Anne queria se aproximar, alcançá-la, trazê-la para perto. Mas percebeu toda aquela insegurança e se manteve ali com a xícara entre as mãos, aproveitando seu chá e observando as inquietações que surgiam a sua frente. Parecia um filme antigo, do qual ela já tinha feito parte anos antes.
Alexandra acabou se distraindo ao falar de suas experiências na Paulicéia. Sua emoção quanto aquela cidade era infinita. Havia paixão em suas palavras. Comoção em seus movimentos que foram surpreendidos por um toque. A mão de Anne aproveitou-se daquele segundo de distração para deixar ali naqueles contornos uma carícia agradável. Quantos arrepios um simples toque é capaz de causar? – perguntava-se ela que ficou nua de qualquer tipo de consciência, enquanto sentia aquele carinho que chegava em sua mão. Pouco depois também em seus cabelos. Ela queria estar ali, quieta, imersa naquela presença, naquele corpo, naquelas mãos, em cada um daqueles objetos ao redor. A superfície das coisas seria suficiente para que a realidade fosse menos invisível e mais sensível aquela ilusão que se desenhava lentamente entre aqueles lábios que se aproximavam e se tocavam pela primeira vez.
Alexandra nunca antes havia beijado alguém e tão pouco tinha sido beijada. Nada sabia acerca das comichões que se espalhavam pela pele. Tão pouco do desespero que surgia repentinamente e desaparecia no instante seguinte como se nem tivesse estado por ali.
Músicas antigas com refrões conhecidos, livros com histórias adocicadas, almoço no meio da semana, vento no meio da tarde, sábado com cara de domingo, manhã com cheiro de café e sabor de pão fresquinho com manteiga derretendo, aquele filme falando de um amor possível e jujubas coloridas, somente as vermelhas. Era nisso tudo que Alexandra pensava enquanto sentia o toque dos lábios de Anne junto aos seus. Aquele beijo parecia reunir todos aqueles sabores de uma só vez.
O silêncio ocupou os vãos das duas que ficaram ali, com o olhar redesenhando sentimentalidades que chegavam e partiam na fração de segundos. Os ponteiros poderiam ser ouvidos, mas estavam desatentos aquele ensaio.
_ Eu quis te beijar desde aquele dia lá na galeria.
Alexandra permaneceu em silêncio. Olhos abertos. Sorriso ameno, colorido. Coração acelerado, quase saindo pela boca. Ainda sem palavras. Ainda com medo e vontade de fugir. Mas agora também havia aquele pequena vontade de ficar e se enroscar naquela derme tão segura, sensata que se oferecia a ela sem receios. Queria ela ter toda aquela segurança. Aquela certeza.
_ Diz alguma coisa Alexandra. Por favor…
Os olhos de Alexandra saltaram para a superfície. Dizer alguma coisa? Ela de fato queria fazê-lo. Mas não conseguia. Queria dizer que aquele beijo tinha atingido muito mais que sua boca e que desde já, sabia que aquele sabor agridoce iria permanecer ali em sua superfície. Queria dizer que tinha encontrado algo pelo qual nunca tinha procurado. Mas o medo era mais forte e o silêncio permanecia ali em seus lábios. Mudos. Umedecidos seguidamente como se assim os sabores pudessem continuar ali por mais tempo.
Anne respirou fundo e diante de todo aquele silêncio, levantou-se para ir embora, mas sentiu a mão de Alexandra junto a sua como se houvesse ali naquele breve ato uma tentativa de impedir aquela precipitação. Lado a lado, com o olhar preso a mesma atmosfera, Alexandra enfrentou sua própria batalha para levar aos lábios de Anne aquele beijo que parecia conter a imensidão do mar em todos os milímetros daqueles movimentos…
>>> continua…
Próximo capítulo 24/01/2011
Eraldo Paulino
uau!
Quero mais…
amo muito tudo isso. Lembra a história de minha irmã.
Bjs!
Francy´s Oliva
Uau. Eu fiquei ansiosa aqui, enquanto lia, imagina a personagem. kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
CARLA STOPA
Surpreendentemente vida…
Tod(as) palavras
escrever é preciso….a história é envolvente e intensa. a vida…
meu abraço carinhoso.
Clara
Bela composição, Lunna!
Beijos!!
Cassya
E finalmente o romance aconteceu. Excelente. Gostei muito.
beijos com açúcar e com afeto.
Alex
Houve um momento em que eu achei que ela iria recuar. Gelei. Mas ainda bem que ela brigou consigo mesma e foi adiante. amei. amei. amei. E pra onde será que vai esse romance agora? Ai maldita espera. EU QUERO MAIS CAPÍTULOS.
Suzana Martins
Alex, vc acredita que eu tbm pensei que a moça fosse recuar??? rsrs…
Maaaaaaaaas…. ainda bem que não, né?! rsrs…
Emocionante… e vamos esperar até segunda-feira!!! buaaaaaaaaaaaaaaaaaaa…
Beijos pessoal!!!^^
Beijos Luuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuu
Tatiana Kielberman
Lunna querida,
Esse foi, sem dúvida, o capítulo mais excitante da trama!
Por que será? rsrs…
Adoooro…. ah, já imprimi pra ler com calma tudo depois, afinal, ainda sou da época do livro impresso!
Beeijos!