Por Dulce Miller e Suzana Martins
Todos os dias ela acordava e não conseguia reconhecer o mundo a sua volta. Era como não fazer parte de tudo aquilo. Não reconhecia filhos, netos, nem o lugar onde crescera. Mas quando se olhava no espelho enxergava uma menina, uma criança cheia de vida e sorrisos. O espelho era o único que não mentia. Era o reflexo de tudo o que levava na alma.
Vestidos coloridos, leves e cheios de vida. Unhas: Escarlate! Baton: Saudade! Maquiagem: Felicidade! Estava estampado em seu rosto e em seu corpo a vontade de sair e viver! Só que hoje ela usava preto da cabeça aos pés. Sabia que era segunda-feira e que o coração estava aos pedaços. As lágrimas que não caiam eram aquelas que já estavam tatuadas em seu rosto.
Ela sabia que seu mundo estava desabando, mas seus olhos no espelho diziam o contrário. A sua alma estava fingindo? Para quem e por que? Não havia sentido algum fingir para si mesma. Não.
Ela sabia que todos esperavam que ela estivesse arrasada. Ela sabia que era o que queriam dela e talvez fosse o mais coerente. Viver de acordo com os padrões propostos por uma sociedade hipócrita… E agora, como sair desta teia de sofrimento armada por ela mesma? Reagir… “Fale comigo, espelho… Deus, fale comigo!”
Não havia respostas. As suas perguntas eram apenas ecos. À sua volta estavam monumentos humanos que não reagiam aos seus atos. Nem ela mesma conseguia reagir a tantas indagações. Precisava buscar dentro de si a beleza daquela maquiagem colorida de anos anteriores e que ela ainda via através do espelho. Não sabia ao certo quando ou onde tudo se perdera, mas em algum lugar do escuro dos seus dias atuais, haviam cores estampadas.
Reflexos de um um brilho perdido naquela segunda-feira chuvosa e repleta de sentidos. Sua alma transbordando em vontades nada expostas..