“Liberdade, essa palavra
que o sonho humano alimenta
que não há ninguém que explique
e ninguém que não entenda…”
(Romanceiro da Inconfidência)
Uma mulher que tinha poesia na alma, suavidade no olhar, leveza nas palavras… E foi assim que conseguiu encantar a todos com seus versos intimistas e espiritualistas, um intimismo feminino que se revela na delicadeza de suas imagens poéticas, um estilo extremamente pessoal que não se enquadra em nenhuma escola literária. Cecília, simplesmente, respirava e transmitia poesia.

E ela mesma contou um pouco de si:

 

 

“Nasci aqui mesmo no Rio de Janeiro, três meses depois da morte de meu pai, e perdi minha mãe antes dos três anos. Essas e outras mortes ocorridas na família acarretaram muitos contratempos materiais, mas, ao mesmo tempo, me deram, desde pequenina, uma tal intimidade com a Morte que docemente aprendi essas relações entre o Efêmero e o Eterno. (…) Em toda a vida, nunca me esforcei por ganhar nem me espantei por perder. A noção ou o sentimento da transitoriedade de tudo é o fundamento mesmo da minha personalidade. (…) Minha infância de menina sozinha deu-me duas coisas que parecem negativas, e foram sempre positivas para mim: silêncio e solidão. Essa foi sempre a área de minha vida. Área mágica, onde os caleidoscópios inventaram fabulosos mundos geométricos, onde os relógios revelaram o segredo do seu mecanismo, e as bonecas o jogo do seu olhar. Mais tarde foi nessa área que os livros se abriram, e deixaram sair suas realidades e seus sonhos, em combinação tão harmoniosa que até hoje não compreendo como se possa estabelecer uma separação entre esses dois tempos de vida, unidos como os fios de um pano.”
Cecília respirava poesia de uma forma leve, marcante, intimista e mais que isso, de uma maneira tão poética que até hoje sinto poesia quando se fala em Cecília. A sua maneira de mostrar o lado feminino de uma forma que homem nenhum é capaz de entender, a maneira que sonhava com navios, praia, mar, nuvens e apenas Cecília conseguia musicalizar todas essas sensações de maneira tão poética. Cecília levemente transformava suas poesias em canções de contentamento encantando a todos, e se descrevia como ninguém em cada verso, cada rima e cada estrofe.
Aqui está minha vida.
Esta areia tão clara com desenhos de andar
dedicados ao vento.
Aqui está minha voz,
esta concha vazia, sombra de som
curtindo seu próprio lamento
Aqui está minha dor,
este coral quebrado,
sobrevivendo ao seu patético momento.
Aqui está minha herança,
este mar solitário
que de um lado era amor e,
de outro, esquecimento.”
E Cecília é poesia! Não há outra maneira de defini-la. Ela apenas vivia, sentia e escrevia! Nem a própria Cecília conseguia definir os seus sentimentos e sensações, não sabia o porquê de toda essa musicalidade da sua alma.

“Eu canto porque o instante existe e a minha vida está completa.

Não sou alegre nem sou triste: sou poeta.
Irmão das coisas fugidias, não sinto gozo nem tormento.

Atravesso noites e dias no vento.
Se desmorono ou se edifico, se permaneço ou me desfaço,

— não sei, não sei.

Não sei se fico ou passo.
Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo: — mais nada.

Cecília também queria ser duas, queria poder está em todos os lugares ao mesmo tempo:

 

É uma grande pena que não se possa
estar ao mesmo tempo nos dois lugares!
(Ou Isto ou Aquilo)

E além de poesia, Cecília era música, alegria, solidão, alegria, amor, sonhos e toda mistura de sentimentos que uma pessoa de alma poética pode ter e ser.

 

 

Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
– depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar

Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre de meus dedos
colore as areias desertas.

O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho, dentro de um navio…

Chorarei quanto for preciso,
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça.

Depois, tudo estará perfeito;
praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e as minhas duas mãos quebradas.”

(Canção)
E assim era Cecília: o amanhecer e o anoitecer, a tristeza e a alegria, um pensamento que tinha a cada instante, uma imagem às vezes despedaçada. Um mistério que ninguém fora capaz de desvendar, mas sempre ela mesma, continuada e exata. E contudo, apenas se definia: POETA!
(*1901 – 1964+
Mas existirá para sempre em nossas almas…)

 

Eu sou essa pessoa a quem o vento chama,
a que não se recusa a esse final convite,
em máquinas de adeus, sem tentação de volta.

Todo horizonte é um vasto sopro de incerteza:
Eu sou essa pessoa a quem o vento leva:
já de horizontes libertada, mas sozinha.

Se a Beleza sonhada é maior que a vivente,
dizei-me: não quereis ou não sabeis ser sonho ?
Eu sou essa pessoa a quem o vento rasga.

Pelos mundos do vento em meus cílios guardadas
vão as medidas que separam os abraços.
Eu sou essa pessoa a quem o vento ensina:

Agora és livre, se ainda recordas.”

(Solombra)

*Parabéns a Leonor pela iniciativa dessa Blogagem Coletiva, que eu me envolvi completamente, e desculpa se acabei falando/escrevendo demais e quebrando a regrinha da blogagem.