Conduzida pela saudade de ti, vagueio por todos os lugares dos meus pensamentos. Por um momento, encontro-me ausente em mim e sinto apenas a tua presença…
Sou levada até os palcos vazios do teatro, que silenciosamente selamos um amor cheio de sons e ritmos, tudo isso embalados pela música de nossas almas. Deparo-me com o silêncio a rodopiar pelos quatro cantos daquele lugar. Tudo ali fora esquecido, até o tablado esqueceu o meu toque, ao contrário da minha memória que ainda sente seu toque em mim… O chão desta divisão mostra-se ausente dos vestígios da nossa passagem, vincado apenas pela inexistência do nós.
Ali num canto, encontra-se um piano, o único móvel existente. Ele está coberto por um lençol branco, no canto que tantas vezes ecoou a nossa música, aquela que ia muito além das notas gemidas. Era a música que nos envolvia que nos enredava em notas que apenas nós sabíamos ouvir… Aquelas partituras nunca antes escritas, apenas sentidas e vividas, foram silenciadas por um motivo tão torpe…
Hoje apenas o eco do silêncio se faz ouvir nesta divisão. Retiro o lençol e eis que surge todas as recordações daquele momento. Ainda consigo ouvir as notas de nossa canção. Sento-me no banco e acaricio as teclas do piano como um dia tu me acariciaste… Os meus dedos começam a tocar a medo a música que me chega de tempos que se perderam. Nesta envolvência da melodia com os meus sentimentos, sinto as tuas mãos a guiarem as minhas sobre as teclas do piano, e a me conduzir nos passos daquela dança. A cada tecla que pressiono, o teu toque em mim torna-se mais cálido, sinto a tua respiração no meu pescoço enquanto dançamos a nossa música…
Deixo-me envolver pelo som que criamos e pelas lembranças de minh’alma. Não nos encontramos mais nos palcos desse teatro. Perdemos-nos de nós mesmos… Hoje, quando a música termina o meu olhar não se depara com o teu… O lençol ainda está sobre o piano e o teatro encontra-se vazio de nós… O silêncio é que ecoa por todos os lados, os nossos corpos não se encontram, as notas do piano foram silenciadas… Hoje, a nossa música não é mais tocada pelas nossas mãos, pelos nossos corpos…
In Diário das Estações