Por Paulo Diesel

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Hoje a embarcação está Movida a Vapor, e quem comanda é o Paulo.

Não é nada do que você está pensando

Era um dia normal como tantos outros dias normais em sua vida normal e pacata. Às seis e dezenove o despertador do celular toca a mesma música que toca todos os dias e que ela mesmo escolhera. Cristiane pula da cama, toma o seu copo de água em jejum e vai direto para a esteira onde faz o seu primeiro trajeto matutino. Caminha e corre por trinta minutos para manter Mente quieta, espinha ereta e coração tranquilo!

Chuveirada, roupas, fruta, suco, sanduíche, última olhada no espelho e às 7:30h já está sentada no banco 13 do ônibus. Uma hora de viagem até o trabalho e Cristiane repassa alguns ítens dos processos que mais tarde lhe seriam úteis. Na poltrona 12 um homem grizalho está concentrado na leitura de um livro. Duas paradas depois o homem desce e vem uma moça sentar-se ao seu lado e diz:

-O seu livro senhora.

Cris pega o livro, por curiosidade, que não era dela. Um livro grosso, capa dura, de cor acinzentada e um título estranho:

EU SABIA QUE VOCÊ SABIA  – autor  Franco A. Fran

O mais estranho e impressionante aconteceu quando Cris abriu o livro, folheou uma, folheou duas, folheou três páginas e todas estavam em branco. As 597 páginas em branco. Só a primeira com o título e a última página com a frase: “Este é o fim que você queria”.

O ônibus pára. Cris desce e caminha atordoada em direção ao prédio 123 da avenida 4 de abril. Pelo elevador, sobe até o nono andar onde fica o escritório da empresa, avista alguns colegas, acena para a Elena e entra em sua sala, onde o homem grizalho, do ônibus, do livro, a esperava.

-Vim pegar o livro.

Uma queda de pressão derrubou-a na poltrona e a escuridão só acabou meia hora depois quando a secretária lhe chamava, tentando acordá-la.

Onde ele está? Quero falar com ele – gritou

O livro sumiu, mas Bety, a secretária, jura que ninguém a esperava na sala  e que ninguém saira da sala carregando livros.

Atônita, Cris remontou em sua memória as passagens do dia, desde o acordar até o desmaiar em sua sala.

Não, não tinha condições de trabalhar. Estava fraca, tonta e as pedras das calçadas pareciam sumir sob seus pés.

Preferiu ir de táxi, chegando em casa, abriu a porta e no chão da sala estava deitado o homem grizalho, do ônibus, do livro, da empresa. Seu corpo frio foi tocado por Cris e um arrepio passou-lhe pelo corpo. O homem estava morto. Uma faca fincada na altura do coração, a camisa rasgada, uma cruz em vermelho-sangue marcava seu peito e o livro da capa dura, acinzentado, entre aberto, jazia ao lado.

Cris correu para o quarto, desesperada, como que a fugir do fato e de si mesma. Permaneceu alguns instantes e voltou à sala.

Onde estava o homem, o livro, a faca, a cruz, o sangue?

A sala vazia com seus quadros, o estofado, a tv LCD na parede, o aparelho de som, a mesa de centro e sobre ela um bilhete escrito em linhas vermelhas:

“Tudo pode ser imaginado. O que vivestes hoje foi uma sugestão de teus próprios e inúmeros pensamentos, dos livros que andas lendo, dos filmes que andas vendo e dos sonhos que andas sonhando.”

O relógio marca 8 horas.

Cris assustada ouviu a porta do apartamento abrir e fechar por diversas vezes. A luz pisca e pisca até desligar em definitivo. A mesma música do seu celular, agora, toca na sala.

A marcha fúnebre faz Cris viajar em seus devaneios, dobra o bilhete, pega o copo d’água, coloca os comprimidos, que trazia na mão esquerda, na boca, bebe a água e sente, aos poucos, o efeito deles. Cai sobre o tapete da sala, mas antes de fechar os olhos por completo, ainda consegue  ler o verso do bilhete:

SEXTA-FEIRA 13, AGOSTO.

O corpo desfalecido sobre o tapete, na sala, aguarda somente a chegada da ambulância cuja sirene se ouve ao longe.

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Paulo é um menino daqueles que tenta melhorar o mundo, porque ele sabe que conserto o mundo não tem. Inconformado com a situação da humanidade, com a preservação do meio ambiente e com a superficialidade das relações. Trabalha, mas também é blogueiro escritor daqueles que trasforma as suas palavras em saudade ou simplesmente em verdadeiros abraços.

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