Rasuras agridoces

De tanto olhar para longe,
não vejo o que passa perto,
meu peito é puro deserto.
Subo monte, desço monte.

Eu ando sozinha
ao longo da noite.
Mas a estrela é minha.

[Cecília Meireles]

Imagem: weheartit

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Eu gosto dos meus silêncios barulhentos: a música brincando de letras, o vento imitando notas e as palavras construindo versos ao som do teclado. Ruídos que só eu entendo. Olho pela janela e lembro tantas coisas… e, assim, a saudade vai simulando contos mal escritos numa tela em branco. Contos de areia. Palavras em nevoeiro. Metáforas conotativas de mim.

Ainda olhando pela janela, penso nas cartas que deixei sem respostas, nas canções que ficaram sem notas e nas letras inacabadas de uma tarde vazia… O céu, que foi azul, agora está negro. Há um forte nevoeiro adulterando o inverno, e as luzes dos carros que circulam por lá ficam num vai e vem descabido. O tempo inventa maneiras de avisar que a minha nostalgia grita e que as gavetas, talvez, suplicam por espaços…

Até tentei apagar alguns poemas, mas tudo ficou solto no ar, tal qual uma pipa de papel além do céu. Um vazio tomou conta de mim. O silêncio fez barulhos ensurdecedores. E o hiato, dessas gavetas, estava cheio de sentimentos escritos pelas minhas saudades. Versos intocáveis. Missivas inacabadas e sachês de chá que perfumavam as distâncias.

Lembranças minhas que navegam por ai sem tirar os pés do chão. A imensidão me abraça. Invento algumas rasuras e coleciono lágrimas agridoces em meus olhos. Observo novamente além da janela e várias sentimentalidades me dominam.

Pouco a pouco me reviro pelo avesso e, num papel amarelecido, anoto as nostalgias que precisam de respostas. Num silêncio barulhento replico rasuras que esgotam as metáforas guardadas em mim.

Suzana Martins – 07/2014