‘Urbanicidade’

“São Paulo! Comoção de minha vida…
Os meus amores são flores feitas de original…
Arlequinal!… Traje de losangos… Cinza e ouro…
Luz e bruma… Forno e inverno morno…
Elegâncias sutis sem escândalos, sem ciúmes…
Perfumes de Paris… Arys!
Bofetadas líricas no Trianon… Algodoal!…

São Paulo! Comoção de minha vida…
Galicismo a berrar nos desertos da América!”

[Mário de Andrade]

Foto: Suzana Martins - Estação da Luz, SP

Admito: guardo em mim alguns vestígios urbanos que ficaram escondidos sob a minha segunda pele que carrega areia e sal.

Não uso mais havaianas para ir ao mercado, nem uso camiseta e short jeans para ir ao shopping. Agora uso calça social, terninho e corro contra o tempo para chegar cedo em casa. Não caminho mais pelo calçadão e nem fico mais observando o mar passar pelo vento; no entanto, aprendi a observar o mar de gente que se forma nas ruas e estações  de São Paulo. Não observo mais a maré cheia, mas aprecio as nuvens que se formam no infinito. Visto meus vestidos apenas nos finais de semanas, mas o meu all-star esse não deixei de usar.

Entretanto isso não significa que em minhas entranhas não mora mais alguém que cresceu no interior de areias e praias. Sim! Há vestígios urbanos em minha derme, mas as interioridades e os instintos litorâneos, esses não saem de dentro dessa alma que pulsa saudades do mar de outono. É certo que aprendi a gostar das praças e parques, mas não me esqueço das areias e das ondas. Aprendi a conviver com as distâncias e os engarrafamentos, porém, não me esqueço da tranquilidade dos calçadões.

Admito: tenho a pele coberta de maresia, mas mora em minhas entrelinhas uma poesia urbana que não sai dos meus pés.

Jamais pensei admitir isso, mas a minha alma não consegue mais viver longe dessa multidão de prédios, desse mar de gente nem dessa poluição urbana. Sou praiana, mas acima de tudo, tenho urbanicidade correndo em minhas artérias, coisas da poesia que incorpora a cada estação!

Assim como o mar, São Paulo mora dentro de mim, mas isso não significa que não tenho vícios saudosos da maresia!