30 dias com Cecília

“Liberdade, essa palavra
que o sonho humano alimenta
que não há ninguém que explique
e ninguém que não entenda…”
[Romanceiro da Inconfidência]

liberdade

Cecília Meireles tinha poesia na alma, suavidade no olhar, leveza nas palavras. E foi assim que conseguiu encantar a todos com seus versos intimistas e espiritualistas, um intimismo feminino que se revela na delicadeza de suas imagens poéticas, um estilo extremamente pessoal que não se enquadra em nenhuma escola literária. Cecília, simplesmente, respirava e transmitia poesia. Incondicionalmente respirava a brisa que vinha do mar numa poesia rodeada das maresias agridoces que escorriam das suas letras.

E ela mesma contou um pouco de si:

“Nasci aqui mesmo no Rio de Janeiro, três meses depois da morte de meu pai, e perdi minha mãe antes dos três anos. Essas e outras mortes ocorridas na família acarretaram muitos contratempos materiais, mas, ao mesmo tempo, me deram, desde pequenina, uma tal intimidade com a Morte que docemente aprendi essas relações entre o Efêmero e o Eterno. (…) Em toda a vida, nunca me esforcei por ganhar nem me espantei por perder. A noção ou o sentimento da transitoriedade de tudo é o fundamento mesmo da minha personalidade. (…) Minha infância de menina sozinha deu-me duas coisas que parecem negativas, e foram sempre positivas para mim: silêncio e solidão. Essa foi sempre a área de minha vida. Área mágica, onde os caleidoscópios inventaram fabulosos mundos geométricos, onde os relógios revelaram o segredo do seu mecanismo, e as bonecas o jogo do seu olhar. Mais tarde foi nessa área que os livros se abriram, e deixaram sair suas realidades e seus sonhos, em combinação tão harmoniosa que até hoje não compreendo como se possa estabelecer uma separação entre esses dois tempos de vida, unidos como os fios de um pano.”

 

ARQUIVO 10/11/2017 CADERNO2 / CADERNO 2 / C2 / USO EDITORIAL RESTRITO / A poeta Cecília Meireles (1901-1964) tem sua obra poética reunida no box Cecília Meireles - Poesia Completa, lançamento da Global que soma 1.956 páginas e abarca 45 anos de produção de uma das principais escritoras brasileiras Crédito: proprietários dos direitos de imagem de Cecília Meireles

Crédito: proprietários dos direitos de imagem de Cecília Meireles

Cecília respirava a poesia leve, marcante e intimista. Todos versos pretéritos são tão poéticos que, no presente, é possível sentir poesia quando se fala em Cecília. Em cada letra é possível notar o lado feminino de um jeito único. A autora sonhava com navios, praia, mar, nuvens e todo o outono que chegava à praia. Diante do meu olhar lúdico, Cecília conseguiu musicalizar todas as sensações marítimas de um jeito tão poético e tão parecido com o meu sentir que, às vezes, penso estarmos sentadas conversando à beira mar. Cecília Meireles levemente transformava suas poesias em canções de contentamento encantando a todos, e se descrevia como ninguém em cada verso, cada rima e cada estrofe.

“Aqui está minha vida.
Esta areia tão clara com desenhos de andar
dedicados ao vento.
Aqui está minha voz,
esta concha vazia, sombra de som
curtindo seu próprio lamento
Aqui está minha dor,
este coral quebrado,
sobrevivendo ao seu patético momento.
Aqui está minha herança,
este mar solitário
que de um lado era amor e,
de outro, esquecimento.”

shutterstock_1175575018-1024x683

Ela é poesia escrita na areia numa tarde de outono! Não há outra maneira de defini-la ou descrevê-la. Em cada palavra escrita é possível perceber que Cecília Meireles vivia, sentia e… Escrevia! Tinha o sentimento na ponta dos dedos. Observando a sua obra é possível perceber que nem ela conseguia definir suas emoções e sensações; nem sabia o porquê de toda essa musicalidade da alma. “Sou poeta”, era assim que Cecília se definia.

“Eu sou essa pessoa a quem o vento chama,
a que não se recusa a esse final convite,
em máquinas de adeus, sem tentação de volta.
Todo horizonte é um vasto sopro de incerteza:
Eu sou essa pessoa a quem o vento leva:
já de horizontes libertada, mas sozinha.

Se a Beleza sonhada é maior que a vivente,
dizei-me: não quereis ou não sabeis ser sonho ?
Eu sou essa pessoa a quem o vento rasga.

Pelos mundos do vento em meus cílios guardadas
vão as medidas que separam os abraços.
Eu sou essa pessoa a quem o vento ensina:

Agora és livre, se ainda recordas.”

[Solombra]

cecilia-meireles-8

Durante 30 dias, os seguidores do Minhas Marés no Instagram, pôde acompanhar via Story trechos, versos, poesias e conversas da autora Cecília Meireles. Como tal recurso fica disponível no período de 24 horas, você pode ver as publicações nos destaques, ou neste link.